O Partido Verde (PV) protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) com pedido de medida cautelar. A ação questiona a constitucionalidade do artigo 181, incisos I e II, do Código Penal, que prevê escusas absolutórias (isto é, isenção de pena) para crimes patrimoniais cometidos sem violência ou grave ameaça por cônjuges ou parentes próximos da vítima. O partido argumenta que a aplicação automática dessas escusas a casos de violência patrimonial no âmbito doméstico e familiar fere diversos preceitos fundamentais da Constituição Federal.
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Segundo a petição, o objetivo com a ADPF é impedir que “um homem que furta sua própria namorada, companheira, esposa ou filha” seja automaticamente isento de responsabilização penal. Segundo o PV, essa previsão legal “impede a persecução penal pública, indo de encontro ao espírito da Constituição Federal” quando aplicada a casos que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher.
A violência patrimonial está prevista na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), como “retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”. Assim, ao afetar a autonomia financeira da mulher, a violência patrimonial dificulta que ela se desvencilhe do agressor.
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Já há outra ação no Supremo que questiona as escusas em casos de violência patrimonial no mesmo sentido. A ADPF 1185, protocolada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) no ano passado, está sob relatoria de Dias Toffoli. Assim, a ação do PV foi distribuída, por prevenção, para a relatoria do ministro.
No processo movido pela Conamp, a Advocacia-Geral da União (AGU), a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Presidência da República já se manifestaram pela inconstitucionalidade da aplicação das escusas em casos de violência patrimonial contra a mulher.
O que diz o PV
O artigo 181 do Código Penal estabelece que “é isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo: I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal; II – de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural”. As chamadas escusas absolutórias têm origem histórica no Direito Romano e foram mantidas ao longo dos séculos em nome da preservação da unidade familiar.
Para o PV, essa justificativa está superada. “A aplicação das regras sob invectiva, em casos de violência doméstica e familiar, resulta em verdadeira ‘imunidade penal’ que beneficia exclusivamente o agressor, isentando-o de responsabilização por atos de violência patrimonial”, sustenta a petição.
O partido político sustenta que a manutenção dessas escusas em casos de violência doméstica viola diversos dispositivos da Constituição, como o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o princípio da igualdade (art. 5º, caput e inciso I), a igualdade entre os cônjuges (art. 226, § 5º), e o dever estatal de prevenir a violência intrafamiliar (art. 226, § 8º).
Além disso, o partido argumenta que a ausência de responsabilização penal nesses casos configura “discriminação indireta” e “proteção deficiente” por parte do Estado. “É forçoso reconhecer que a aplicação das escusas absolutórias em situações de violência doméstica contra a mulher contrariaria princípios e preceitos fundamentais da Constituição Federal”, afirma a ação.
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A ADPF também se apoia em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, especialmente a Convenção de Belém do Pará e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), para sustentar que a manutenção da escusa nesses contextos representa uma violação ao dever do Estado de prevenir e punir todas as formas de violência contra a mulher. A exclusão de responsabilização penal nesses casos, segundo o PV, “cria um cenário de inconvencionalidade” e “perpetua injustificadas assimetrias no convívio social”.
Pedidos
A legenda solicita que o STF declare a inaplicabilidade dos incisos I e II do artigo 181 do Código Penal quando aplicados a crimes patrimoniais cometidos em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. Assim, impedir que réus nessas condições possam invocar escusas absolutórias para escapar de sanções penais.
A petição se apoia ainda em precedentes como a ADPF 635, sobre a letalidade policial no Rio de Janeiro, e a ADPF 709, sobre omissão estatal em relação à Covid-19 entre povos indígenas, para sustentar que a ADPF é cabível em casos de omissões estruturais do poder público que comprometem direitos fundamentais.
Além disso, o partido solicita medida cautelar para que o STF dê interpretação conforme à Constituição ao artigo em questão. Se concedida, a medida teria efeito imediato e impediria que agressores se beneficiem da imunidade penal nesses casos, enquanto o mérito da ação é analisado.