Lei do RJ que prevê cartazes antiaborto em hospitais é contestada no STF pelo PSol

O Partido Socialismo e Liberdade (PSol) protocolou, nesta sexta-feira (4/7), com apoio da Frente Estadual contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto (Frente Rio), uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Lei Municipal 8.936/25, do município do Rio de Janeiro (RJ), que determina a fixação de cartazes antiaborto em unidades hospitalares da capital fluminense. A norma foi sancionada pelo prefeito Eduardo Paes (PSD-RJ) em 12 de junho, após aprovação da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. O ministro André Mendonça será o relator da ação. Confira a ADPF 1240 na íntegra.

Informações direto ao ponto sobre o que realmente importa: assine gratuitamente a JOTA Principal, a nova newsletter do JOTA

Pela redação da norma, os cartazes devem conter as seguintes frases: “Aborto pode acarretar consequências como infertilidade, problemas psicológicos, infecções e até óbito”; “Você sabia que o nascituro é descartado como lixo hospitalar?”; e “Você tem direito a doar o bebê de forma sigilosa. Há apoio e solidariedade disponíveis para você. Dê uma chance à vida!”.

O partido afirma que a afixação dos cartazes visa, de forma clara, impedir que pacientes acessem os serviços de aborto legal, seguro e gratuito oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na rede pública do Rio de Janeiro. Para a sigla, a norma induz a conclusão precipitada de que se trata de norma de Direito Administrativo e direito à saúde, além de versar e se interseccionar com matéria de Direito Penal, ao disciplinar sobre o aborto e a forma de conduzi-lo em centros de saúde.

Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor

Na arguição protocolada, o PSol também argumenta que, ao regulamentar o aborto legal e impor restrições ao seu acesso, a Lei Municipal 8.936/2025 usurpa a competência legislativa privativa da União e contraria a legislação federal de natureza penal, configurando evidente inconstitucionalidade formal. Desse modo, alega que a norma afronta diretamente o pacto federativo e a repartição de competências constitucionais.

O partido defende que a imposição de mensagem que “distorce a realidade científica e fomenta o medo” compromete não apenas o direito à informação verídica, mas também a dignidade da pessoa humana e o direito fundamental à saúde, ao afastar mulheres de um cuidado essencial e legalmente assegurado. Além disso, pondera que a imposição do conteúdo dos cartazes configura “verdadeiro constrangimento psicológico, ao induzir sofrimento adicional àquelas que já se encontram em situação de extrema vulnerabilidade”.

O PSol afirma ainda que ao contrário de assegurar informações claras e baseadas em evidências, a lei carioca fomenta desinformação, medo e estigmatização, produzindo efeito diametralmente oposto ao proclamado. “Diante disso, a imposição de tais cartazes viola frontalmente a Constituição, ao disseminar informações falsas e distorcidas, ofender a dignidade humana, comprometer o direito à saúde, violar o direito fundamental à informação correta e aprofundar a violência institucional contra mulheres e meninas em situação de extrema vulnerabilidade”, diz o partido em trecho da ação.

Por isso, sustenta que, ao impor cartazes com mensagens falsas e moralmente condenatórias nos serviços de saúde, a lei municipal cria barreiras simbólicas e institucionais que desestimulam e intimidam mulheres e meninas a exercerem um direito já assegurado pelo ordenamento jurídico federal. “Ao invés de garantir um ambiente acolhedor, ético e seguro — como exige a legislação e os princípios constitucionais —, a norma municipal desrespeita frontalmente a previsão legal do aborto, obstruindo seu acesso e constrangendo psicologicamente as paciente”, afirma.

O partido também enfatiza que a lei questionada, ao impor ônus exclusivamente às mulheres, interfere diretamente na autonomia reprodutiva da mulher, dificultando o seu acesso à saúde. Além disso, salienta que as mensagens impostas nos cartazes reforçam estereótipos de gênero e negam o reconhecimento das pessoas que gestam e buscam o aborto legal como sujeitos morais autônomos.

“A Lei Municipal 8.936/2025, ao disseminar desinformação e ao impor pressão psicológica sobre mulheres, meninas e pessoas que gestam, atua como instrumento de perpetuação de desigualdades estruturais, fomentando violências simbólicas, institucionais e obstétricas, especialmente contra mulheres negras, indígenas e em situação de vulnerabilidade social”, argumenta a sigla.

Ao final, além de requerer a declaração integral de inconstitucionalidade da norma, o PSol solicitou que a ADPF fosse distribuída por prevenção ao ministro Edson Fachin, relator da ADPF 989, que demanda que o STF adote providências para assegurar a realização do aborto quando há previsão legal.

Luciana Boiteux, advogada que representa a sigla na ação, disse ao JOTA que a ADPF visa impedir a proliferação de legislações semelhantes em outras cidades, e reafirmar o papel constitucional do Estado na garantia do direito ao aborto legal, seguro e gratuito. Segundo a advogada, setores “conservadores” estão formulando projetos de lei em várias casas legislativas, baseados em conteúdo idêntico, para atacar e retirar o direito das mulheres, em especial as vítimas de violência, como é o caso dos cartazes.

“Nesse caso, uma decisão do Supremo que possa valer para todo o Brasil será muito importante para frear esse processo que está representado nessa lei municipal, aprovada na Câmara e chancelada pelo prefeito Eduardo Paes, mas que, além dos efeitos no Rio de Janeiro, essa lei pode ser reproduzida em outros estados”, disse Boiteux. “Então, é o Supremo, que é o guardião da Constituição, possui essa possibilidade de fazer cessar esse constrangimento que está sendo imposto às mulheres”, concluiu.

TJRJ suspendeu os efeitos da Lei Municipal 8.936/2025

Na última quarta-feira (2/7), o desembargador Caetano Ernesto da Fonseca Costa, vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), suspendeu a eficácia da lei municipal, em consonância com o que foi estabelecido pela juíza Mirela Erbisti, da 4ª Vara da Fazenda Pública. Na cautelar, o desembargador considerou existir indícios significativos de ter a legislação extrapolado o âmbito de competência suplementar do município no terreno da Saúde e também no campo do sistema de proteção à infância e juventude (Estatuto da Criança e Adolescente).

O magistrado também entendeu que houve indicativo concreto de vício de iniciativa também em face da chefia do Executivo estadual, que tem a iniciativa de “deflagrar processo legislativo que venha a dispor sobre organização e funcionamento da Administração Pública, além da aparente violação do Decreto 4.377/2002 [Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW], desrespeitando princípios essenciais como o da dignidade humana e da proporcionalidade”.

Inscreva-se no canal de notícias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões do país!

Na sentença de primeiro grau, a juíza havia determinado em 19 de junho que o município do Rio de Janeiro, em 24 horas, deixasse de afixar nos estabelecimentos de saúde de sua rede própria, independentemente da forma de gestão adotada, as placas ou cartazes de que trata o ato municipal. Também determinou que a capital fluminense deixasse de cobrar o cumprimento das obrigações impostas pela lei aos estabelecimentos de saúde, bem como deixasse de aplicar quaisquer sanções previstas na norma.

Em caso de descumprimento da medida, Erbisti fixou uma multa diária de R$ 1 mil por estabelecimento de saúde da rede municipal e R$ 1 mil por cobrança ou aplicação de sanção às unidades hospitalares.

A ação foi ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) após a norma municipal ter sido sancionada por Paes, ainda em junho. Nela, o órgão pleiteava o impedimento dos efeitos práticos e o ressarcimento dos danos coletivos decorrentes da aplicação, na Rede de Atenção à Saúde do Rio de Janeiro, da obrigação imposta pela Lei Municipal 8.936/2025.

Na ação, o MPRJ afirma que a lei disciplinou assunto que se insere na competência legislativa privativa da União, Direito Civil e Penal, criando não só empecilhos inexistentes ao gozo do direito ao aborto legal, como também ao próprio direito à vida e à dignidade das mulheres, que, em situação de extrema vulnerabilidade psicológica, buscam a realização do aborto legal em casos em que são vítimas de estupro ou, ainda, que se encontram em risco de vida.

O MPRJ também defende que as medidas determinadas pela lei impõem um retrocesso às mulheres na busca por acesso à saúde.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

A ação civil pública tramita com o número 3008320-09.2025.8.19.0001.

Generated by Feedzy