Margem de preferência ESG como estratégia de desenvolvimento sustentável

Em janeiro de 2024, o governo federal editou o Decreto 11.890, que regulamenta o artigo 26 da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021). O texto disciplina a aplicação das chamadas margens de preferência nas compras públicas e institui a Comissão Interministerial de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável (CICS).

Mais que um ajuste técnico, o decreto representa uma guinada estratégica: alça as contratações públicas à condição de instrumento de desenvolvimento industrial, tecnológico e ambiental.

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Ao estabelecer margens de preferência para bens e serviços nacionais — especialmente aqueles que envolvem inovação e sustentabilidade — a norma busca transformar o poder de compra do Estado em ferramenta ativa de política pública. Com isso, inaugura-se um novo paradigma: o da compra pública orientada por critérios ESG (ambientais, sociais e de governança), com potencial de reindustrialização verde e promoção de soluções tecnológicas nacionais.

Inovação nacional como critério objetivo

O decreto distingue dois tipos de preferência: a normal, de até 10% para produtos e serviços nacionais; e a adicional, também de até 10%, voltada a soluções que resultem de desenvolvimento e inovação tecnológica no Brasil. Juntas, podem representar uma vantagem de até 20% em processos licitatórios.

A medida estabelece critérios técnicos claros para definir inovação: desde a criação de novos produtos até a agregação de funcionalidades que gerem ganhos reais de qualidade e desempenho. Excluem-se mudanças meramente estéticas. Essa distinção premia a produção tecnológica nacional e estimula investimentos em pesquisa e desenvolvimento no setor privado, fortalecendo cadeias produtivas estratégicas.

Sustentabilidade como vetor das contratações

O decreto também contempla a priorização de bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis, consagrando o pilar ambiental como parte da equação econômica. Ao garantir margem de preferência para esse tipo de solução, o texto incorpora à lógica das compras públicas os princípios da economia circular, com estímulo direto à cadeia da sustentabilidade.

Trata-se de um passo decisivo para transformar critérios ESG em políticas de Estado. Em vez de apenas fomentar o menor preço, o novo modelo privilegia valor agregado, impacto ambiental positivo e inovação nacional, com base em regulamentação técnica detalhada e resoluções específicas da CICS.

Instância permanente de governança estratégica

A criação da Comissão Interministerial de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável (CICS) constitui um dos pilares centrais do decreto. Com caráter permanente e composição interministerial, a comissão será responsável por atuar como instância de governança estratégica das compras públicas, coordenando esforços para alinhar as contratações governamentais às políticas nacionais de desenvolvimento industrial, inovação tecnológica e sustentabilidade socioambiental.

Entre suas principais atribuições, a CICS será encarregada de estabelecer as margens de preferência e os critérios técnicos aplicáveis às licitações públicas, avaliar os impactos econômicos e ambientais das medidas adotadas, monitorar os benefícios gerados e os custos decorrentes dessas políticas e propor iniciativas voltadas ao fomento da inovação, da inclusão produtiva e do desenvolvimento sustentável em âmbito nacional.

Indução federativa e alcance ampliado

Embora destinado inicialmente à Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, o decreto autoriza estados, municípios, Distrito Federal e demais Poderes da União a adotarem voluntariamente os critérios definidos. Isso cria uma via de nacionalização da política, com potencial para unificar padrões de sustentabilidade e inovação em todo o setor público brasileiro.

Esse caráter indutor torna o decreto um modelo de referência. Suas diretrizes, se replicadas localmente, podem transformar a lógica das contratações públicas no país — promovendo não apenas eficiência administrativa, mas também impacto socioambiental positivo e estímulo à indústria nacional de base tecnológica.

Conclusão

O Decreto 11.890/2024 consolida a perspectiva de que comprar é também desenvolver. Ele posiciona o Estado como agente estratégico na construção de um Brasil mais sustentável, inovador e competitivo, e transforma as licitações em instrumentos de política pública com efeitos econômicos e ambientais mensuráveis.

Mais do que uma norma regulamentar, trata-se de um marco que insere as compras públicas no coração da agenda ESG, mostrando que governar com responsabilidade é também contratar com propósito.

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