As operações portuárias no Brasil envolvem diversas entidades que trabalham em conjunto para garantir o controle, rastreamento e a padronização da qualidade dos produtos exportados. Esse processo segue normas globais e fitossanitárias exigidas por organizações especializadas, como ANEC, FOSFA e GAFTA.
A qualidade é aferida em várias etapas da cadeia do agronegócio, desde a escolha da semente até a entrega ao importador no destino final, assegurando conformidade com os padrões internacionais de qualidade.
Mas temos notado um aumento na ocorrência de fraude do produto exportado, em especial o farelo de soja, em alguns terminais portuários, em especial os de Imbituba (SC) e Paranaguá (PR).
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Em 2021, o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e a Polícia Federal (PF) realizam a Operação Fito Fake para busca e apreensão em cinco empresas acusadas de falsificar certificados fitossanitários na exportação de café, arroz e pimenta. A fraude foi identificada com o apoio de órgãos dos países importadores, que detectaram discrepâncias nos documentos e informaram ao Departamento de Sanidade Vegetal do Brasil. O certificado fitossanitário é essencial para permitir a entrada de produtos vegetais em outros países[1].
Em 2024, a Polícia Civil do Paraná, em conjunto com o MAPA, prendeu três pessoas envolvidas em um esquema de adulteração de cerca de 300 toneladas de farelo de soja em Curitiba. O produto adulterado era exportado pelo Porto de Paranaguá. A investigação começou após denúncias de desvios de rota por caminhoneiros para adulteração da carga. A fraude consistia em substituir parte do farelo de soja por areia, cascas e outros resíduos, comprometendo a qualidade do produto exportado [2].
As fraudes no mercado agrícola ocorrem quando há interrupções conscientes no controle de produtos, visando adulterar documentos ou mercadorias para obter vantagens. Nos casos acima apontados, a adulteração da qualidade do farelo de soja geralmente ocorre antes da chegada ao terminal portuário, indicando responsabilidade presumida das entidades envolvidas no transporte, lembrando que tais transportes podem ser de responsabilidade do exportador, do produtor e até mesmo do próprio importador, quanto estes utilizam de serviços terceirizados para o transporte do produto.
Diversos pontos do processo de comercialização são dedicados a evitar fraudes em produtos, em especial o farelo de soja, utilizando medidas e ferramentas para mitigar riscos. No caso específico da adulteração do farelo de soja, destacam-se etapas como análise e aferição da qualidade e especificações do produto ao longo de seu transporte até o terminal portuário, na recepção e liberação do produto quando este chega ao terminal portuário, tanto por empresa de responsabilidade do terminal como pelo exportador e importador e no momento da descarga do produto no navio.
Notem que são, no mínimo, 5 pontos de aferição do produto desde sua saída do local produzido até chegar ao navio e mesmo assim ainda temos casos recentes de fraude do produto, onde os fraudadores misturam areia ou outros materiais similares a fim de dificultar visualmente a adulteração e ocasionando uma demora para que a análise específica seja realizada no produto.
O MAPA, em parceria com o Terminal de Paranaguá e associações, elaborou o protocolo de trabalho em atenção ao combate à fraudes em granéis de soja em grãos, milho e farelo de soja no corredor de exportação do Porto de Paranaguá para combater fraudes em granéis de soja, milho e farelo no corredor de exportação do porto.
O documento estabelece medidas operacionais para garantir a conformidade dos produtos exportados, incluindo a criação de uma nova classificação “Refugada com Suspeita de Fraude”. Essa identificação permite registrar responsáveis em uma lista interna e aplicar bloqueios e sanções civis e criminais.
O recente protocolo busca identificar e responsabilizar fraudadores, mas levanta questionamentos sobre a efetividade de mitigar riscos e o impacto nas responsabilidades dos envolvidos. É importante também considerarmos que além do protocolo, se faz necessária legislações e medidas punitivas mais rigorosas, assim como treinamentos, maior fiscalização, controle e rastreabilidade dos produtos exportados para reduzir oportunidades e prevenir fraudes de forma eficaz.
A análise sobre fraudes no farelo de soja revela que adulterações, como a adição de materiais indevidos, afetam toda a cadeia do agronegócio, desde produtores até os consumidores finais. Apesar das sólidas medidas de mitigação, o risco persiste devido a fatores humanos que se vinculam aos atos fraudulentos como pressão, vontade e racionalização, que levam ao cometimento da fraude, dentro outras questões sociais, culturais e econômicas.
A fraude na exportação do farelo de soja pode gerar responsabilidades civis e penais para os envolvidos.
De acordo com o Código Civil (Lei 10.406/2002), aqueles que participam da fraude podem ser responsabilizados por danos materiais e morais, conforme previsto nos artigos 186 e 927 do CC, significando que os fraudadores podem ser obrigados a indenizar prejuízos causados ao importador ou terceiros.
A fraude pode configurar crimes como estelionato, adulteração de substância alimentícia e crimes contra a ordem econômica, conforme podemos verificar nos artigos 171 e 272 do Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940) e no artigo 7º, II da Lei 8.137/1990 (crimes contra a ordem tributária e econômica).
A regulamentação de um protocolo de controle e fiscalização pode alterar a responsabilidade jurídica dentro da cadeia produtiva, levantando questões sobre quem será responsabilizado (transportador, operador portuário ou exportador). Isso pode gerar litígios entre os agentes, aumento da burocracia e custos operacionais.
Fraudes podem comprometer a reputação do Brasil, resultando em retaliações comerciais, quebra de contratos internacionais (Convenção das Nações Unidas sobre Compra e Venda Internacional [CISG]) e arbitragens internacionais (Câmara de Comércio Internacional [CCI]).
Daí que, as seguintes medidas devem ser consideradas e implementadas:
a adoção de normas mais rígidas pode aumentar a carga regulatória e exigir;
programas de compliance e due diligence na cadeia produtiva;
melhoria da rastreabilidade, exigindo investimentos tecnológicos; e
maior fiscalização por órgãos como MAPA e Anvisa.
[1] Disponível em: <https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/empresas-falsificadoras-de-certificado-fitossanitario-sao-alvo-da-operacao-fitofake-do-mapa-e-pf . Acesso em 10 nov, 2024.
[2] Disponível em: https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2024/10/24/presos-adulteracao-farelo-de-soja-parana.ghtml . Acesso em: 10 nov, 2024.