O acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia está no centro das atenções no cenário político das duas regiões, e ocupou posição de destaque nas discussões do 41º Encontro Econômico Brasil-Alemanha (EEBA), realizada em Salvador entre os dias 15 e 17 de junho.
O encontro, organizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Federação das Indústrias Alemãs (BDI), reuniu lideranças públicas e privadas de ambos os países, com foco em temas como transição energética, inovação industrial e comércio sustentável.
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O acordo comercial, negociado há mais de duas décadas e que em dezembro de 2024 culminou em um acordo político em torno do seu texto, foi debatido em tom de urgência por representantes da indústria e autoridades presentes no EEBA. Para Wolfgang Niedermark, membro do Conselho Executivo do BDI, o tratado representa uma janela estratégica de oportunidade:
“O acordo UE-Mercosul oferece à Alemanha e ao Brasil uma oportunidade única para levar sua cooperação econômica a um novo patamar. A indústria alemã pede que os formuladores de políticas avancem com determinação para ratificá-lo ainda no segundo semestre deste ano e formem uma aliança viável dentro da UE e do Mercosul. O acordo criará uma área econômica comum com mais de 700 milhões de pessoas — um impulso significativo para o crescimento econômico, o emprego e a prosperidade nas duas regiões”.
Além da retórica favorável do setor privado, houve avanços concretos recentes na frente política. Após a Cúpula da União Europeia realizada em Bruxelas nos dias 26 e 27 de junho, o chanceler alemão, Friedrich Merz, declarou que a ratificação do acordo “poderá ocorrer rapidamente”, e que há uma “grande disposição entre os Estados-membros” para sua adoção.
Merz afirmou ter notado, inclusive, disposição por parte do presidente francês, Emmanuel Macron, embora este ainda defenda um protocolo adicional vinculante para a proteção da agricultura francesa. “Não podemos aceitar o acordo tal como está”, declarou Macron, reiterando sua posição de ser necessário haver mecanismos jurídicos de proteção a determinados setores, em especial a agropecuária.
Apesar da ressalva francesa, o procedimento formal para ratificação do acordo está prestes a avançar. Segundo fontes ligadas à Comissão Europeia, o processo de ratificação deve começar ainda na primeira semana de julho, com o envio do texto finalizado ao Conselho da UE e ao Parlamento Europeu. A expectativa é que a parte comercial do tratado — que pode ser aprovada por maioria qualificada — seja separada de outras disposições que exigiriam unanimidade, o que tecnicamente limita a capacidade de veto da França.
Nos bastidores, essa movimentação foi lida como um sinal claro de que os entraves políticos estão se dissolvendo e que o acordo poderá, enfim, sair do impasse que o paralisou nos últimos anos. A pressão de setores industriais da Alemanha e da Espanha, aliada ao interesse estratégico da América do Sul em diversificar seus parceiros comerciais diante das tensões geopolíticas globais, criou uma janela de convergência inédita.
O EEBA também foi marcado por falas de autoridades brasileiras que buscaram desmistificar os riscos do tratado. O secretário executivo do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Márcio Elias Rosa, rebateu diretamente críticas sobre supostos prejuízos à indústria europeia:
“A ideia de que o acordo prejudicaria a indústria europeia é infundada. As cotas são graduais e calibradas — no caso da carne, por exemplo, equivalem a apenas dois hambúrgueres por pessoa”.
O tom predominante foi de pragmatismo comercial e realinhamento estratégico. Em um momento em que medidas unilaterais e protecionistas ganham força em várias partes do mundo, o acordo entre a UE e o Mercosul foi apresentado como símbolo de um caminho alternativo, baseado no estado de direito e na cooperação.
Rafael Haddad, diretor executivo do Comitê Latino-Americano da Economia Alemã (em alemã, Lateinamerika-Ausschuss der Deutschen Wirtschaft [LADW]) do BDI, enfatizou a importância do tema no momento político mundial:
“O Acordo entre a União Europeia e o Mercosul é peça central para levar as relações bilaterais Brasil-Alemanha a um novo patamar. Este tratado representa muito mais do que comércio – é um passo estratégico e geopolítico de impacto global”.
Para além de uma discussão política, o EEBA apontou para setores em que esta cooperação se faz mais natural, além de urgente. Um dos destaques da programação foi o painel sobre a transição energética, que discutiu como Brasil e Alemanha podem atuar como parceiros-chave na construção de uma matriz industrial limpa.
Representantes da Siemens Energy, Associação Brasileira da Indústria de Hidrogênio Verde (ABIHV), Nordex e autoridades da Bahia apontaram os gargalos regulatórios, os desafios de infraestrutura e o papel dos leilões internacionais como o H2 Global na viabilização de projetos.
Para a CEO da ABIHV, Fernanda Delgado, o EEBA foi não apenas oportuno como exemplo de como Brasil e Alemanha podem construir parcerias sustentáveis para impulsionar a economia verde e a transição energética dos dois países:
“O tema (Novas parcerias para negócios sustentáveis) não poderia ser mais atual. Ver de perto a Bahia sendo reconhecida como um hub estratégico de energia limpa, com destaque para o hidrogênio verde reforçou a convicção de que o Brasil tem um papel central na nova ordem econômica mundial verde. E que esse futuro já começou. A percepção que ficou é clara: Brasil e Alemanha têm muito a construir juntos. E o que está em jogo não é apenas comércio, mas um novo modelo de desenvolvimento: mais limpo, mais justo e colaborativo”.
O EEBA de 2025 evidenciou que o futuro das relações econômicas depende cada vez mais da capacidade de alinhar ambições climáticas com interesses comerciais. A ratificação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, somado ao desenvolvimento crescente de setores estratégicos como hidrogênio verde, são passos importantes para a concretização do enorme potencial de cooperação entre Brasil e Alemanha.