Pejotização e governança: como líderes preparados enfrentam a insegurança jurídica

As relações de trabalho vêm passando por mudanças estruturais, impulsionadas pela digitalização, pela busca por flexibilidade e pela crescente valorização da autonomia profissional. Nesse cenário em evolução, a pejotização, ou contratação de profissionais qualificados via pessoa jurídica, voltou ao centro do debate no Brasil.

Em abril de 2025, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no ARE 1.532.603/PR, Tema 1.389, de suspender todos os processos sobre o tema, até julgamento definitivo, evidenciou a ausência de um marco regulatório claro, um vácuo que desafia diretamente os líderes empresariais.

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Em muitas empresas brasileiras, a folha de pagamento representa entre 20% e 35% da receita líquida, podendo superar esse patamar em empresas intensivas em mão de obra, como as de tecnologia, saúde, educação e serviços especializados. Na prática, isso significa que a forma como os líderes empresariais estruturam suas capacidades organizacionais tem impacto direto nos resultados operacionais.

A partir de janeiro de 2025, entrou em vigor o cronograma de reoneração gradual da folha de pagamento, com impacto direto sobre os 17 setores que, até então, podiam optar pelo pagamento das contribuições sociais sobre a receita bruta, com alíquotas de 1% a 4,5%. Com a nova regra, essas empresas passarão a recolher novamente sobre a folha salarial, começando por uma alíquota reduzida de 5% e escalando até os 20% tradicionais em 2028.

Embora não represente um aumento de custos generalizado para todas as empresas, a medida pressiona de forma significativa aquelas que têm estruturas intensivas em mão de obra — como transporte, construção civil, tecnologia e serviços.

Para essas organizações, o retorno da Contribuição Previdenciária Patronal sobre a folha representa uma mudança relevante na base de cálculo, muitas vezes ampliando substancialmente a carga tributária. O impacto, portanto, é seletivo, mas suficientemente expressivo para exigir atenção estratégica das lideranças empresariais

Em setores com forte dependência de mão de obra qualificada, a contratação via PJ tem sido usada para garantir maior eficiência e competitividade. A prática, no entanto, não está em conformidade com as leis brasileiras quando o profissional atua no modelo tradicional como empregado de fato: com subordinação, jornada fixa e integração à rotina da empresa. Nesses casos, a pejotização pode ser reclassificada judicialmente como vínculo empregatício, gerando passivos e danos à reputação da empresa.

Por outro lado, apesar das controvérsias, a contratação via pessoa jurídica pode, sim, representar uma resposta legítima e pragmática aos novos arranjos de trabalho. Especialmente, quando envolve profissionais autônomos, qualificados e plenamente conscientes da natureza contratual da relação, sem sinais de dependência econômica ou vulnerabilidade social. Nessas condições, a relação contratual se mantém sólida, transparente e aderente ao que se espera de práticas empresariais responsáveis.

Além do aspecto jurídico, há uma questão de transformação cultural em jogo, há uma crescente preferência entre profissionais qualificados por novos modelos de produção intelectual. Muitos valorizam a flexibilidade, a autonomia pelas escolhas de clientes e o controle sobre suas rotinas, especialmente em setores criativos, consultorias e áreas técnicas especializadas. Nesses casos, a pejotização não representa precarização, mas sim uma escolha consciente entre partes capazes, que exercem sua liberdade contratual dentro dos limites da legalidade e da boa-fé.

Atualmente, o Brasil convive com interpretações conflitantes sobre as novas formas de relação produtiva. Em 2017, a Lei 13.429, conhecida como Lei da Terceirização, passou a permitir a contratação de empresas prestadoras de serviços para qualquer atividade, inclusive a atividade-fim. No ano seguinte, o Supremo confirmou a constitucionalidade da terceirização ampla.

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Mas apesar disso, na prática, tribunais regionais seguem requalificando contratos como vínculo empregatício, mesmo quando formalizados como prestação de serviços. O resultado é um ambiente de insegurança jurídica que compromete o planejamento e exige das lideranças empresariais uma postura ativa de gestão de riscos.

Até que haja uma deliberação definitiva o setor privado não pode paralisar e cabe ao empresariado mitigar incertezas com responsabilidade. Sob a ótica da boa governança, é essencial compreender não apenas os riscos jurídicos da pejotização, mas também os dilemas econômicos e humanos que recaem sobre quem lidera.

Nesse contexto, a liderança deve tomar decisões informadas, ancoradas em análise de risco, coerência institucional e visão de longo prazo. Governança é, sobretudo, decidir em meio à incerteza, com consistência e integridade, equilibrando as pressões imediatas com os compromissos do futuro.

Mas então, como profissionalizar a gestão no mais alto nível e manter competitividade sem romper com uma cultura organizacional baseada em confiança, continuidade e responsabilidade com o capital humano? A resposta não está apenas no modelo contratual adotado, mas na capacidade da governança de fazer escolhas estratégicas, com critérios claros, análise de riscos e alinhamento entre discurso, prática e reputação.

Compartilho abaixo um guia prático que pode organizar as lideranças nesse momento de incerteza.

Checklist para avaliação de contratações via PJ nas organizações

Quantos contratos com pessoas jurídicas estão ativos hoje na organização?
Há indícios de vínculo empregatício nas relações vigentes (como subordinação, exclusividade ou jornada fixa)?
Os contratos estão formalizados de forma padronizada, clara e coerente com a prática operacional?
Existe uma estimativa de risco trabalhista ou contingência associada a essas contratações? Qual o grau de exposição da empresa?
Seria necessário um plano gradual de transição para modelos mais sustentáveis, caso sejam identificadas situações de dependência ou vulnerabilidade?
As áreas jurídica, contábil e de gestão de pessoas estão alinhadas quanto à classificação, acompanhamento e eventual provisionamento desses contratos?

Pejotizar não é, em si, um erro. O erro está em terceirizar a responsabilidade de pensar o modelo de relações produtivas como um todo. Enquanto o Supremo ainda não se manifesta de forma definitiva, cabe às empresas agir com discernimento, transparência e responsabilidade.

O dilema da pejotização é menos sobre modelos contratuais e mais sobre coerência. Coerência entre o que a empresa declara em seus valores e o que sustenta em sua prática. Entre a cultura que valoriza relações duradouras e a gestão pressionada por resultados de curto prazo.

Em tempos de incerteza regulatória, cabe à governança escolher não o caminho mais fácil, mas aquele que seja coerente com a cultura da organização e com o legado que se deseja construir.

Esperamos que o Brasil, diante do impasse atual e da crescente insegurança jurídica, avance na construção de um marco regulatório próprio inspirado em boas práticas internacionais, mas adaptado à nossa realidade. Um modelo que preserve a autonomia legítima, proteja os trabalhadores e ofereça segurança para quem emprega com responsabilidade.

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