A regulamentação da logística reversa no país passou por diversas modificações nos últimos anos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), que estabelece as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis, foi regulamentada durante anos, essencialmente, por dois decretos federais.[1]
Contudo, desde 2020, já são dez novos decretos promulgados para aprimorar tal regulamentação[2], sem contar todos os decretos aprovados também em outros âmbitos federativos, por alguns estados e municípios, já que a competência legislativa é compartilhada entre esses entes.
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Uma das principais novidades é a regulamentação da figura da entidade gestora: uma entidade que é responsável por estruturar, implementar e operacionalizar um sistema de logística reversa de modo a auxiliar o cumprimento das obrigações da PNRS por fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de diferentes produtos e/ou embalagens.
Na prática, isso significa que um fabricante de embalagens de plástico, por exemplo, obrigado a se responsabilizar pela reciclagem das embalagens que coloca no mercado, pode juntar-se a outros fabricantes para contratar uma terceira entidade (a entidade gestora), que deverá implementar um sistema de logística reversa e comprovar, perante o Poder Público, que as responsabilidades exigidas do(s) fabricante(s) estão sendo cumpridas.
Em maior detalhe, o sistema de logística reversa é o nome dado ao conjunto de ações realizadas para viabilizar a coleta, a triagem e o encaminhamento de produtos ou embalagens recicláveis para reaproveitamento ou para outra destinação final ambientalmente adequada.
Desde 2010, esses sistemas são estabelecidos por meio de acordos setoriais ou termos de compromissos firmados entre o Poder Público e o setor empresarial. Nesses instrumentos, são definidas as responsabilidades de cada signatário para viabilizar o desenvolvimento do sistema, incluindo as metas de recuperação dos produtos e embalagens. São essas metas que precisam ser comprovadas ao Poder Público, periodicamente.
A partir de 2020, contudo, esses acordos passaram a ser substituídos ou complementados por novas normativas do Poder Público, como o Decreto 10.240/2020, que trata dos sistemas de logística reversa de produtos eletroeletrônicos e seus componentes de uso doméstico; o Decreto 10.388/2020, aplicável aos medicamentos domiciliares de uso humano vencidos ou em desuso; e o Decreto 11.300/2022, que regra as embalagens de vidro.
Cada um desses decretos apresenta a sua definição própria para a entidade gestora, ainda que todas sejam essencialmente responsáveis pela gestão de sistemas de logística reversa.
Em relação às embalagens em geral – ou seja, embalagens de papel e papelão, plástico, alumínio, aço, vidro e as embalagens cartonadas longa vida –, aplica-se a regulamentação do Decreto 11.413/2023 e da Portaria GM/MMA 1.102/2024. Estes estabelecem os requisitos e os procedimentos para tornar-se uma entidade gestora de embalagens em geral em âmbito federal, o que inclui possuir uma habilitação concedida pelo Ministério do Meio Ambiente. Obtida a habilitação federal, fica dispensada a necessidade de nova habilitação em âmbito estadual ou municipal
É a entidade gestora que deve, entre outras obrigações, (i) divulgar a implementação do sistema de logística reversa e seus resultados, (ii) implementar plano de comunicação para a conscientização da sociedade sobre a importância do descarte adequado de embalagens, (iii) disponibilizar anualmente ao MMA o relatório de resultados para fins de verificação do cumprimento das ações e das metas de logística reversa, (iv) realizar ações estruturantes para a cadeia da reciclagem prioritariamente orientadas aos catadores de materiais recicláveis e (v) emitir certificados de créditos de reciclagem.
As entidades gestoras dos sistemas de logística reversa de embalagens em geral devem ser pessoas jurídicas de direito privado e possuir instrumento contratual, que a designe para o exercício da atividade de entidade gestora, formalizado com dois ou mais fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes ou com suas respectivas entidades representativas.
Nota-se que, diferente de outros sistemas de logística reversa, no caso das embalagens em geral não é obrigatório que as entidades gestoras sejam associações constituídas pelo setor empresarial, sendo possível a habilitação de entidades gestoras constituídas em diversos formatos – associações, sociedades limitadas, sociedades anônimas, entre outras.
Outro diferencial, em comparação a outros sistemas que são bem mais restritivos, é a possibilidade das entidades gestoras formalizarem diferentes instrumentos com os atores que possuem responsabilidades sobre a destinação correta das embalagens, o que inclui contratos e instrumentos de parceria em geral.
Há ainda outros requisitos a serem atendidos para a habilitação da entidade gestora, como designar responsável técnico pelo sistema de logística reversa com titulação de grau superior e experiência no assunto; comprovar experiência mínima de dois anos no mercado de logística reversa; possuir ou contratar sistema de informações eletrônico dotado de tecnologia para captura de informações anonimizadas do setor empresarial (black box); possuir canal na internet apto à divulgação de informações; e comprovar atuação nacional na logística reversa de embalagens em geral.
Essa atuação nacional, especificamente, pode ser atingida de forma gradual: em pelo menos uma unidade federativa de cada macrorregião do país (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste) até julho de 2025; expandir para pelo menos 50% dos estados de cada uma dessas macrorregiões até julho de 2026; e, possuir atividades em todos os estados do Brasil até julho de 2027. A comprovação dessa atuação pode ser feita por meio de notas fiscais ou ações estruturantes sob gestão direta da entidade.
O processo de habilitação como um todo envolve a apresentação ao MMA de todos os documentos que comprovem o atendimento aos critérios legais e, caso o MMA entenda os critérios como não atendidos, haverá prazo de 90 dias para apresentação de parecer à entidade para a complementação dos documentos e realização de reunião técnica para diligências adicionais.
Até o momento, o MMA habilitou um total de 10 entidades gestoras, sendo 6 associações empresariais, 3 sociedades limitadas e 1 sociedade anônima. No dia 30 de julho de 2025, será a primeira vez que essas entidades gestoras apresentarão o relatório de resultados dos sistemas de logística reversa de embalagens a nível nacional, nos moldes da nova regulamentação.
Esse relatório deverá conter as informações e os dados consolidados do período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2024 para fins de verificação do cumprimento das ações e das metas. Para padronizar a apresentação das informações, o MMA disponibilizou um modelo de relatório na plataforma Sinir.[3]
Embora a entrega de relatórios anuais já ocorresse anteriormente, a exigência por meio de entidades devidamente habilitadas traz a expectativa de maior padronização, transparência e confiabilidade nas informações prestadas. Com a consolidação dos dados em um formato unificado e oficial, torna-se possível aprimorar o acompanhamento das metas de logística reversa, facilitar a comparação entre diferentes períodos e entidades e identificar com mais precisão os gargalos e avanços do sistema.
Espera-se que esse novo modelo contribua para o fortalecimento da governança ambiental, permitindo que o poder público, o setor produtivo e a sociedade acompanhem de forma mais clara o desempenho das ações de reciclagem de embalagens.
[1] O Decreto 7.404/2010 e o Decreto 9.177/2017 foram revogados em 2022.
[2] O Decreto 10.240/2020, o Decreto 10.388/2020, o Decreto 10.936/2022, o Decreto 11.043/2022, o Decreto 11.044/2022 (revogado), o Decreto 11.300/2022, o Decreto 11.413/2023, o Decreto 11.414/2023, o Decreto 12.438/2025 (revogado) e o Decreto 12.451/2025.
[3] Disponível em: https://portal-api.sinir.gov.br/wp-content/uploads/2024/03/Orientacoes_e_anexos___Modelo_relatorio_LR.pdf.