Risco de eventos climáticos extremos em projetos de concessão de ativos

O ano de 2024 foi marcado por uma série de eventos climáticos extremos, no Brasil. Desde as enchentes no Rio Grande do Sul, até as tempestades na cidade de São Paulo, passando pela seca na Amazônia e inúmeras ondas de calor que fizeram arder as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, é fato que eventos de grande impacto climático têm se tornado cada vez mais recorrentes.

Esses eventos, evidentemente, não fazem distinção espacial: uma vez que acometem uma determinada região, eles impactam zonas rurais e urbanas, com infraestrutura mais ou menos sofisticada, com ativos de características e destinações totalmente diversas, entre si.

Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas

Grandes alagamentos estrangulam o sistema de drenagem urbana de uma cidade. Tempestades violentas e incêndios de altas proporções afetam a estabilidade dos serviços de transmissão e distribuição de energia. Grandes ondas de calor trazem risco sobre a durabilidade de materiais empregados no revestimento de rodovia. O aumento do nível do mar traz risco sobre a perenidade de vias costeiras.

Muitos desses ativos de infraestrutura são comumente concedidos à iniciativa privada – um processo iniciado com planejamento minucioso, passando por consulta pública, licitação, culminando com a celebração do contrato e a outorga da concessão. A maior recorrência desses eventos climáticos extremos, portanto, traz a reflexão sobre como os processos de contratação de concessão de infraestrutura poderiam abordar esse tema.

A dificuldade é óbvia: contratos de concessão possuem longa duração e, por isso, é quase impossível prever, com acuracidade, todas as contingências a que o ativo estará suscetível durante esse tempo. Mais difícil ainda é prever os impactos econômico-financeiros que esses eventos podem trazer ao concessionário.

Trata-se do velho problema da incompletude contratual. Quanto maior o esforço de minuciar os eventos a que a concessão estará suscetível, maiores os custos transacionais incidentes. Há, ainda, o problema da seleção adversa: a boa intenção de tornar o contrato o mais certeiro e preciso possível em relação a eventos naturalmente imprevisíveis e desconhecidos pode, na verdade, afastar bons interessados na futura concessão.

Uma iniciativa recente parece mostrar um dos caminhos que podem ser adotados nesse tema. A Resolução 622/2024, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), determinou que os futuros contratos de concessão rodoviária passem a considerar a possibilidade de retenção de um percentual da receita bruta obtida pelo concessionário do ativo para o enfrentamento de eventos climáticos extremos.

A norma, portanto, não determina que se avance necessariamente sobre todos os riscos a que um ativo rodoviário esteja submetido – ou seja, não insiste que se duele com o problema da incompletude contratual.

Outro caminho é o proposto pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em que se sugere que se analise, na fase de planejamento, os eventos (e não todos os eventos) que tornam aquele ativo, em específico, mais vulnerável e sensível à sua ocorrência, o custo-benefício de medidas preventivas e restaurativas, ou seja, uma comparação entre o nível de investimento e externalidades geradas pela indisponibilidade do ativo em razão da superveniência de um evento climático, bem como se estabeleça um plano de ações endereçando todos esses pontos.

Considerar os riscos de eventos climáticos extremos ao mesmo tempo em que se reconhece o problema da incompletude contratual parece ser a receita para se evitar a superestimação de riscos e a previsão de obrigações contratuais desproporcionais, mantendo a atratividade e a viabilidade econômico-financeira desses projetos, ao mesmo tempo em que se protege a sociedade contra as externalidades negativas decorrentes da indisponibilidade de ativos de infraestrutura.

Generated by Feedzy