Sabe-se que o ICMS tem o princípio da não cumulatividade, previsto no artigo 150, §2º, inciso I, da Constituição Federal, como seu pilar estrutural, assegurando que este imposto não seja cobrado repetidamente ao longo das etapas de circulação da mercadoria, permitindo ao contribuinte a compensação do valor de ICMS pago nas suas aquisições com o devido nas operações subsequentes. No estado de São Paulo, tal disposição foi trazida pelo artigo 59 do RICMS.
Decorrência lógica do referido princípio é a necessidade de estorno do crédito de ICMS de insumos utilizados no processo produtivo de mercadorias cujas saídas não resultam em débito do imposto (seja por isenção ou não incidência), conforme elucidado, também neste âmbito estadual, pelo artigo 60 do RICMS.
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Em relação aos insumos comumente utilizados em saídas com e sem destaque do ICMS, muito embora não haja dispositivo específico, em respeito ao princípio da não cumulatividade, forçoso também concluir que o contribuinte tem direito ao crédito na proporção das saídas com destaque do imposto, no exato sentido do posicionamento exarado pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo na Resposta à Consulta 4568/2014:
“Com relação ao aproveitamento dos créditos referentes à aquisição de insumos comuns, utilizados em suas diversas operações (descritas no item 1 desta resposta), confirmamos o entendimento de que a Consulente terá direito apenas à parcela proporcional referente às saídas tributadas ou não tributadas com direito à manutenção do crédito (artigos 60 e 61, e 66 a 68, todos do RICMS/2000)”.
Diante de tal contexto, no estado de São Paulo, o crédito outorgado de 7% (sete por cento) sobre as saídas internas com carne e demais produtos comestíveis frescos, resfriados, congelados, salgados ou temperados, resultantes do abate de aves, leporídeo e gado bovino, bufalino, caprino, ovino ou suíno, previsto no artigo 40 do Anexo III do RICMS, expressamente determina que sua utilização substitui o aproveitamento de quaisquer outros créditos de ICMS, sem considerar a possibilidade de o contribuinte possuir processos produtivos distintos, beneficiados e não beneficiados pelo referido crédito outorgado, tais como a produção de embutidos, enlatados, linguiças, subprodutos do abate e afins.
Nesses casos e em linha com o princípio da não cumulatividade, é de se concluir que:
os insumos adquiridos e diretamente vinculados às operações beneficiadas pelo crédito outorgado não darão direito à manutenção do crédito de ICMS, uma vez que expressamente vedado pelo dispositivo,
os insumos mistos, comumente utilizados na produção de mercadorias cuja saída seja beneficiada e não beneficiada pelo crédito outorgado serão proporcionalizados com a finalidade de especificamente determinar a parcela vinculada à atividade beneficiada e, em relação à qual há vedação de manutenção do crédito do imposto; e
os insumos direta e exclusivamente vinculados à operação cujos produtos não são beneficiados com o crédito outorgado, dão direito à manutenção integral do crédito de ICMS.
Ocorre, contudo, que especificamente em relação ao crédito do ICMS decorrente das operações beneficiadas pelo crédito outorgado do artigo 40, Anexo III, do RICMS, o governo paulista editou a Portaria CAT 55/2017, por meio da qual estabelece regra de proporção do crédito dos insumos, a fim de delimitar que o estorno seja realizado apenas na medida em que utilizado na fabricação de produtos beneficiados.
Em suma, a Portaria CAT 55/2017 estabelece simples fórmula de proporção para apuração do montante a ser estornado pelo contribuinte (E), qual seja, a razão entre as saídas beneficiadas (B) sobre o total de saídas realizadas (T), multiplicada pelo montante de crédito escriturado (C) (E=B/TxC), mencionando em seu artigo 4º, inclusive, que devem ser observadas as demais regras de manutenção do crédito previstas na legislação para os estabelecimentos que que realizarem operações de saída não amparadas pelo referido benefício, de forma a garantir o crédito do ICMS relativo à respectiva entrada da mercadoria.
Por não haver menção expressa na referida portaria em relação à quais créditos devem ser considerados na variável C como “valor do crédito escriturado no período”, se aqueles decorrentes da aquisição de todo e qualquer insumo, ainda que não vinculado às saídas não beneficiadas pelo crédito outorgado ou somente aqueles decorrentes de eventuais insumos comumente utilizados na fabricação de produtos beneficiados e não beneficiados pelo crédito outorgado, os contribuintes se socorreram do mecanismo de consulta tributária com a finalidade de obter posicionamento expresso da Secretaria da Fazenda para correta aplicação da regra de proporção.
Contudo, longe de esclarecer a questão e gerando ainda maior incerteza e dúvida sobre o assunto, a Consultoria Tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo formalizou entendimento, como por exemplo na Resposta à Consulta Tributária 31688/2025, no sentido de que deve ser considerado na variável “total de crédito escriturado no período”, “todo e qualquer crédito a que o contribuinte faria jus, independentemente do crédito outorgado em análise (…) com exceção daqueles previstos no § 4º do artigo 40 do Anexo III do RICMS/2000”, sem sequer abordar o disposto no artigo 4º da Portaria CAT 55/2017.
Ocorre que, como demonstrado inicialmente, admitir a inclusão de todo e qualquer crédito na regra de proporção, contraria a lógica imposta pelo próprio princípio da não cumulatividade, uma vez que, mesmo que o insumo adquirido esteja exclusivamente vinculado à operações não beneficiadas pelo crédito outorgado, o crédito decorrente da referida aquisição estaria restrito ao percentual de estorno apurado pela regra de proporção, diminuindo, inclusive, o alcance do benefício instituído pelo estado de São Paulo, podendo resultar na necessidade de estorno de créditos em montante superior ao que expressamente determina a legislação específica.