O Supremo Tribunal Federal (STF) cumpriu o roteiro esperado e ampliou a responsabilidade das plataformas digitais sobre as publicações de seus usuários. Se esses recursos tivessem sido julgados à época que chegaram na Corte, em 2017, certamente o resultado seria outro e os discursos da liberdade de expressão, neutralidade das redes e liberdade econômica teriam tido mais aderência e peso na decisão dos ministros.
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Os atos golpistas de 8 de janeiro, em que a quebradeira aos prédios na Praça dos Três Poderes foi transmitida ao vivo em redes sociais, o excesso de fake news durante as últimas eleições e tragédias com crianças orquestradas em ambiente virtual acenderam um alerta vermelho na Corte de que seria preciso algum freio.
A própria Corte virou alvo do ambiente sem regras da internet e seria estranho que ela mesmo não se defendesse de alguma forma. Por isso, na visão de uma corrente majoritária de ministros, as plataformas precisavam, de alguma forma, impor limites aos usuários e se responsabilizar por isso. Na avaliação dos magistrados, não existe ambiente neutro quando empresas têm o controle por meio de algoritmos. Até os ministros contrários às mudanças não deixaram de ponderar que existe um ambiente de abusos na internet.
As apurações dos inquéritos sigilosos das milícias digitais e das fake news e a recalcitrância de algumas redes sociais em cumprir ordens judiciais do STF de remoção de conteúdo ajudaram a ruir a corda para o lado de que a legislação existente era insuficiente. A dificuldade do governo e do Congresso em trazer alguma modernização à lei considerada defasada caiu como uma luva para justificar que o STF fosse o poder iniciador da mudança.
Depois de perder inúmeras vezes para as correntes da internet, em casos sensíveis como o INSS e o Pix, o governo Lula pressionou para que viesse do STF alguma resposta. As ameaças de sanções a ministros da Corte por autoridades norte-americanas também soou como uma afronta à soberania do Brasil para alguns ministros mais críticos à atuação das plataformas digitais.
Claro que não havia uma concordância de 100% entre os membros da Corte sobre a alteração da responsabilidade civil das plataformas, mas um bloco encabeçado sobretudo por Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, defendeu que algo precisava mudar. E essa corrente conseguiu que prevalecesse a tese mais pormenorizada, com rol de conteúdos sensíveis a serem retirados de imediato e com imposição de dever de cuidado e autorregulação.
Diante dos votos extensos e com sugestões diversas, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, percebeu que seria preciso a construção de um consenso para a conclusão do julgamento. Não havia um voto médio vencedor. Por isso, a solução da tese conjunta lhe pareceu mais proveitosa. Já sabendo do voto de 10 dos 11 ministros, o presidente reuniu os colegas com bacalhau e carne, na presidência da Corte, a portas fechadas para se chegar a um acordo.
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A conclusão de um dos julgamentos mais esperados dos últimos anos no Supremo é uma vitória da Corte. Mas não significa que o tema está resolvido – que o nível do conteúdo que circula em redes sociais irá melhorar e/ou que as fake news acabarão. Ainda será necessário ver como a tese será operacionalizada no dia a dia. E não é só isso: em um mundo virtual em constante mutação, não vai demorar para que novas demandas cheguem ao Judiciário e novamente os ministros tenham que se debruçar sobre os desafios da vida virtual.