Mesmo com a determinação do ministro Gilmar Mendes de suspender todos os processos que tratam de pejotização e de trabalhos autônomos, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve julgamento, nesta terça-feira (24/06), de uma reclamação constitucional (Rcl 73042) ajuizada pela Tex Courier, empresa de logística, contra decisão da Justiça do Trabalho que reconheceu o vínculo de emprego entre a companhia e um motoboy. Por unanimidade, mantiveram o vínculo empregatício reconhecido pela Justiça do Trabalho.
Para os ministros, Gilmar Mendes, ao suspender os processos, teria excluído desta determinação os recursos que estão para serem julgados no Supremo.
Na sessão, os ministros julgaram o agravo da Tex Courier contra decisão em reclamação constitucional do ministro Cristiano Zanin.
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Zanin ressaltou que julgou improcedente a reclamação, primeiro por entender que no caso estaria presente o requisito da vulnerabilidade, uma vez que se trata de um motoboy que recebia R$ 3 por cada entrega. Além disso, ressaltou que no acórdão consta que o motorista não estaria inscrito no cadastro do regime específico, previsto na Lei nº 11.442/2007, que versa sobre o transporte autônomo de carga. Somente nesses casos em que há esse registro, segundo Zanin, caberia à Justiça Comum analisar esses processos, como já foi decidido pelo Supremo na ADC 48.
O caso (Rcl 73042) estava para ser julgado em plenário virtual, mas em seguida do voto de Zanin, o ministro Alexandre de Moraes pediu destaque para que fosse levado ao plenário físico. Zanin chamou a iniciativa de Moraes de oportuna para que possam fazer a distinção dos casos que devem ir para a Justiça comum e dos que devem ficar na Justiça trabalhista.
Em seguida do voto do Zanin, o ministro Luiz Fux levantou questão de ordem ressaltando que houve a instauração do processo em repercussão geral (Tema 1389), no qual o ministro Gilmar Mendes suspendeu todos os processos em nível nacional, que tratam do tema da pejotização. “ Então, como se trata de uma determinação do próprio Supremo Tribunal Federal, eu tenho a impressão de que, se a gente vai entrar no mérito dessa terceirização, dessas questões, valeria a pena, não sei, aguardar”, disse.
Porém, em seguida, o ministro Cristiano Zanin ressaltou que já houve decisão unânime da 1ª Turma, no sentido de que o sobrestamento não alcançaria os processos em tramitação no Supremo Tribunal Federal. Neste sentido, citou a Rcl 77.104, publicada no dia 12 de junho. O ministro Alexandre de Moraes em seguida reforçou que o entendimento tem sido de que as turmas do STF podem julgar, mesmo com o sobrestamento do ministro Gilmar Mendes.
O ministro Flavio Dino afirmou que realmente é uma questão de ordem relevante, principalmente para preservar a integridade da jurisprudência, da coerência, em tema que já é muito controverso. “Eu, particularmente, tenho evitado ao máximo esses julgamentos a partir do reconhecimento da repercussão geral”, afirmou. Ainda destacou que também está em repercussão geral o tema mais específico sobre motoristas e aplicativos, sob a relatoria do ministro Edson Fachin (Tema 1291).
Para Dino, a jurisprudência sobre o tema está muito contraditória. “Nós temos muitas leis específicas. E o ponto é que não dá para julgar no atacado. Porque não dá para, prioristicamente, afirmar que tal relação é de trabalho ou não, a não ser perquirindo as circunstâncias concretas e a lei de regência. Há uma lei de regência, como os corretores têm, como os advogados têm, e assim sucessivamente”, diz.
Por fim, Dino ainda ressaltou que o desfecho dessa repercussão geral é urgente “porque, independentemente do que se passe aqui, em sede de reclamação, nós temos, a essa altura, centenas de milhares, quiçá milhões de processos sobrestados nas instâncias ordinárias da Justiça Estadual e da Justiça do Trabalho”, disse.
Moraes então afirmou que o caso em questão poderia ser julgado porque claramente há uma relação de emprego, com subordinação. Ao analisar o processo, afirma que o motoboy somente trabalhava para essa empresa de entrega terceirizada por vários restaurantes e lanchonetes e, que esse trabalhador tinha horários e ganhava por entrega. “Não é como nós discutimos, às vezes, a questão do Uber, que o autônomo faz o horário que quer e que vai ser discutido na repercussão geral. Aqui, só entregava para uma empresa, tinha a relação de subordinação para essa empresa, tinha hora extra, se estendesse. Aqui realmente, me parece que foge do tema e não tem aderência para que nós conheçamos a reclamação”, disse. Ainda destacou que se ficasse suspensa decisão, o trabalhador, por ora, não vai poder receber o que lhe foi concedido pela Justiça do Trabalho.
A ministra Cármen Lúcia ainda afirmou que se preocupa principalmente com esses casos em que o Supremo reconheceu a repercussão geral de situações que têm uma implicação muito direta na vida de pessoas, principalmente dos mais vulneráveis e hipossuficientes, porque a demora em julgar pode trazer prejuízos. “Me lembro quando, há 10 anos atrás, 15 anos atrás, nós dizíamos que a gente tinha que escolher muito bem os casos de repercussão geral para que isso não fosse uma barreira de contenção em casos que envolvem Direito do trabalho, Direito de família, que cheguem aqui, e a às vezes, quando a gente vai julgar, o caso, a tese continua atual, mas o caso já penalizou alguém”, diz.
Luiz Fux ainda fez uma outra questão de ordem dizendo que em processo contra a mesma empresa (Rcl 73 042) , julgado em 21 de fevereiro, a 1ª Turma cassou decisão da Justiça do Trabalho. “Mas tendo em vista que vossas excelências analisaram o processo e consideraram essa existência inequívoca da relação trabalhista, eu confesso que fiquei um pouco em dúvida”, disse, porém, em seguida acompanhou os demais ministros.
Zanin ainda reconheceu que existem outros casos envolvendo esta empresa mas que há aspectos diferentes. Um deles é que nesse caso julgado agora, segundo Zanin, esse trabalhador não ter o registro exigido pelo artigo 2º da Lei nº 11.442/2007.
A 1ª Turma então foi unânime ao não conhecer o agravo da reclamação, mantendo o vínculo empregatício determinado pela Justiça do Trabalho.
A empresa entrou com reclamação constitucional contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1), no Rio de Janeiro. A companhia alegava que o profissional sempre se identificou como autônomo e que o contrato firmado era de prestação de serviços e foi pactuado sob a égide da Lei nº 11.442/2017, que versa sobre o transporte autônomo de carga. Sendo assim, caberia à Justiça Comum analisar o caso. Com base nisso, sustentou que a decisão contrariou os precedentes estabelecidos pelo STF nos julgamentos das ADC 48, ADPF 324, ADIs 3.961 e 5.625.