A juíza Denise Santos Sales de Lima, da 2ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto, reconheceu que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) contribuiu de forma direta e intensa para o adoecimento de um de seus advogados, que desenvolveu transtorno psíquico diagnosticado como síndrome de burnout. A sentença, proferida na última segunda-feira (24/6) determinou o pagamento de R$ 26,5 mil a título de indenização por danos morais. No entanto, a magistrada rejeitou o pedido de pensão mensal por ausência de incapacidade laborativa atual. Além disso, a estatal deverá pagar 5% sobre o valor da condenação à advogada do reclamante. Cabe recurso.
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Ao fixar a indenização, Lima ponderou critérios como intensidade do sofrimento, extensão dos efeitos e grau de culpa da empresa, além das condições econômicas das partes. A quantia, segundo a sentença, visa “minimizar o sofrimento injusto causado ao empregado”.
O autor da ação, Anthony Fernandes Rodrigues de Araújo, é empregado da estatal desde 2000. Ele alegou que, a partir de 2019, enfrentou um aumento exponencial na carga de trabalho, chegando a ser responsável por até 706 processos simultâneos e a cumprir entre 25 e 30 prazos diários, além de outras tarefas não contabilizadas. Na petição inicial, afirmou ter adoecido em razão da “sobrecarga de trabalho” e de “ambiente de trabalho psicossocial lesivo e análogo a trabalho escravo”, pedindo reparação por danos morais e materiais.
A juíza acolheu parcialmente a tese. A perícia médica, conduzida por psiquiatra, concluiu que Anthony é portador de transtorno misto ansioso e depressivo, e que, embora a origem da doença tenha “etiologia multifatorial desde o nascimento”, o ambiente de trabalho funcionou como “concausa de grau III”, ou seja, com contribuição direta, intensa e relevante para o desencadeamento ou agravamento do quadro clínico.
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A prova testemunhal corroborou os achados da perícia. O autor relatou que trabalhava em finais de semana e feriados, que o número de advogados da equipe foi progressivamente reduzido e que a sobrecarga aumentou mesmo em períodos de férias. Uma testemunha afirmou que “o reclamante trabalhava no mínimo 10 horas por dia”, e que houve “redistribuição do serviço para os advogados remanescentes” após redução da equipe. Também foi destacada a demora de até nove meses para que o comitê interno de apuração de assédio da empresa reagisse a denúncias.
A pretensão de indenização por danos materiais, na forma de pensão mensal, foi negada. A juíza entendeu que a perícia afastou a existência de incapacidade laborativa e que o próprio reclamante admitiu não estar em tratamento médico no momento da audiência. Ele declarou que “não faz uso de qualquer medicação relacionada à doença ocupacional” e que o atual ambiente de trabalho é “acolhedor”.
Além disso, o afastamento funcional foi de apenas 10 dias, com remuneração regular, e não houve comprovação de perdas salariais ou despesas médicas não reembolsadas. “Por qualquer ângulo que se analise a questão, indevida a reparação pretendida, neste particular”, escreveu a magistrada.
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A sentença também cita trecho do laudo pericial que menciona diretamente um superior do advogado. As “pressões e humilhações sofridas em consequência das condutas” do gestor atuaram como fator desencadeante do adoecimento, segundo a avaliação. Esse mesmo servidor é autor de uma queixa-crime por difamação, apresentada em abril de 2024 contra uma colega advogada dos Correios que denunciou assédio moral em e-mail endereçado a superiores e órgãos externos. Na peça, vista pelo JOTA, ele afirma que a divulgação da acusação de assédio moral “abalou sua honra objetiva” e o teria levado a perder função gratificada.
Procurados, os Correios não retornaram até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto.
O processo corre sob o número 0010189-63.2023.5.15.0042.
Segundo Danila Manfré Nogueira Borges, que representa o advogado, a sentença “se insere em um contexto preocupante e recorrente. Trata-se de um caso entre muitos outros que denunciam o quadro de adoecimento coletivo de profissionais da área jurídica da empresa”. “O que se espera é que, a ECT seja instada a apresentar plano de gestão verídico que respeite os direitos e a saúde mental dos seus empregados”, diz.
A advogada cita que, em abril, a Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região instaurou inquérito civil para apurar denúncias de sobrecarga de trabalho de advogados dos Correios. Segundo ela, apesar de, no âmbito do inquérito, os Correios informarem “que o teletrabalho seria uma medida adotada para mitigar o adoecimento, todos os advogados da empresa foram compulsoriamente convocados ao trabalho presencial a partir de 23 de junho, sem consideração às condições excepcionais individuais, às lotações específicas ou mesmo à infraestrutura dos locais de trabalho”.
Burnout de advogados dos Correios
A sentença não é a primeira questão que os Correios enfrentam em relação às condições de trabalho de seus advogados. Em novembro, a 5ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT15) decidiu, por unanimidade, manter uma condenação dos Correios a indenizar por danos morais um advogado que chegou a lidar com mais de 2 mil processos e desenvolveu burnout. O valor, contudo, foi reduzido de R$ 200 mil para R$ 40 mil.
Além disso, na semana passada, o desembargador Ricardo Antonio de Plato, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT15), com sede em Campinas, deferiu liminar em mandado de segurança impetrado pelos Correios para suspender os efeitos de uma decisão que proibia o retorno presencial obrigatório de seus advogados. A ordem judicial, agora suspensa, havia sido proferida em 11 de junho pelo juiz Guilherme Bassetto Petek, da 5ª Vara do Trabalho de Campinas, em ação coletiva proposta pela Associação dos Procuradores dos Correios (Apect).