Em meio a protagonismo ‘crescente’ do Judiciário, OAB-SP cria Comissão para discutir reforma

Em meio ao “crescente protagonismo” da atuação do Poder Judiciário no Brasil nos últimos anos, a seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) anunciou, nesta segunda-feira (23/6), a instalação da Comissão de Estudos para a Reforma do Judiciário, que deve elaborar duas propostas a serem entregues ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso Nacional em junho do próximo ano. Leornado Sica, presidente da OAB-SP, disse que uma das propostas que devem ser levadas ao STF é a de um Código de Conduta para Magistrados. “Um dos fenômenos sociais e políticos desse século é o protagonismo crescente do Poder Judiciário”, afirmou.

A Comissão é composta por nomes conhecidos não só do mundo jurídico, mas de toda a da sociedade, como os ministros Ellen Gracie e Cezar Peluso, aposentados do STF; José Eduardo Cardozo e Miguel Reale Jr., ex-ministros da Justiça; Maria Tereza Sadek, Oscar Vilhena e Alessandra Benedito, representantes da Academia com estudos sobre o tema; e Patricia Vanzolini (OAB-SP) e Cezar Britto (OAB Nacional), ex-presidentes da OAB.

Segundo o presidente da seccional, não há problema algum na proposta que visa estabelecer um Código de Conduta aos juízes, visto que a advocacia também possui uma medida similar como garantia de imparcialidade. Em seu ponto de vista, não há no país atualmente regras que sejam muito claras em relação à imparcialidade dos magistrados. Na avaliação dele, com toda a visibilidade que o Judiciário tem obtido nos últimos anos, tem sido observada a necessidade de criação de novas e mais firmes regras que tratem sobre o tema, a fim de se garantirem julgamentos mais imparciais.

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“Ou seja, quando o juiz pode ou não pode julgar determinada causa. Quando ele pode ou não se pronunciar em público sobre uma causa que julgará, ou falar sobre uma causa que ele está julgando”, ilustrou. Para Sica, a conduta de o magistrado falar sobre uma causa em julgamento é algo “muito sensível” e “muito ruim”. Além disso, considera que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) prevê mandatos que avalia como “genéricos”.

Em relação ao Legislativo, uma das principais tarefas da Comissão da Reforma do Judiciário é o de recuperar a sua tarefa. De acordo com o presidente da OAB-SP, o Legislativo está ausente no debate e, por essa razão, o Judiciário acaba por avançar nas discussões. Porém, considera que os projetos de lei que estão no Congresso Nacional e que discutem a reforma judiciária são projetos de “revanchismo”.

Por outro lado, Sica defendeu que o STF precisa exercer a capacidade de autocoerção. “O Supremo foi muito exigido nos últimos anos. Essas exigências exigem contrapartidas de modernização e de participação. A gente precisa discutir mandatos para ministros do STF. Isso é algo que não fazia sentido antes, hoje parece que faz”, declarou. Sica destacou ainda que a Corte alargou muito a sua competência nos últimos anos e isso não tem sido positivo para o Tribunal em sua avaliação.

“Visivelmente está fazendo mal ao Tribunal, seja pela carga de trabalho, pelo excesso de trabalho. É humanamente impossível julgar tudo o que está lá”, afirmou. Outro ponto que tem sido negativo para o STF na visão do presidente da OAB-SP é a “politização” do Supremo, que tem julgado políticos em excesso. Para ele, um Tribunal que julga muitos políticos acaba se “politizando” naturalmente.

Além desses temas, as diretrizes de processos, como julgamento virtual, taxas e custas do Judiciário, direito de manifestação síncrona dos advogados durante os julgamentos e foro privilegiado também estão entre as demandas que serão debatidas pela Comissão.

‘Cultura da confiança no Judiciário’

Em outro momento de sua fala, o presidente da OAB-SP afirmou que o fenômeno da judicialização da vida pública pode ser visto como expressão da “cultura da confiança da população no Judiciário”. Para ele, é notável que o brasileiro confia no Judiciário, nas leis e no Estado Democrático de Direito. “Mais do que ser o ‘povo litigante’, como muitos falam, é um povo que confia na lei e nos agentes que as aplicam”, destacou. 

Segundo ele, esse valor, o da confiança, deve ser visto como essencial para a continuidade democrática. Disse, ainda, que não há dúvidas de que a Justiça assumiu um local central de exigibilidade e de garantia da democracia nos últimos anos. Com isso, em sua avaliação, o Judiciário ganhou  mais alcance, mais estrutura, mais orçamento e mais poder.

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Por outro lado, considera que esses crescimentos do Judiciário exigem mais contrapartidas, como maior eficiência e mais estabilidade – assim como mais transparência e mais participação de todos na administração da Justiça. Para Sica, a pluralidade e a complexidade dos conflitos que são levados ao Judiciário exigem a pluralidade de olhares e pontos de vista para formar os meios de resolução desses conflitos. “Juízes têm o monopólio de dizer o Direito, isso é bastante verdade, mas não têm o monopólio de administrar a Justiça”, declarou. 

Por essa razão, pontuou que a administração da Justiça deve ser guiada com um senso de cooperação entre atores, academia, procuradorias e defensorias. “A cooperação é aquilo que, no nosso ponto de vista, vemos como a única via de acesso para o Judiciário dar conta de tamanhos desafios que o Brasil joga em seu colo. Por isso, a falta de receptividade à cooperação e o distanciamento nos preocupam muito”, afirmou. Por fim, concluiu que um dos pontos de partida da Comissão será o de recuperar a lei e o hábito democrático de negociar, produzir consensos no parlamento e traduzir esses consensos em leis. 

Ellen Gracie, ministra aposentada em 2011 do STF, disse que o atual momento é o mais adequado para que o tema da reforma do Judiciário seja trabalhado, visto que, segundo ela, o Judiciário se encontra sob crítica violenta de todos os lados. “Não consegue agradar ninguém. Nem a poucos, nem a muitos. E o problema é muito mais amplo, o problema da litigiosidade crescente da sociedade vai além e está na burocracia também”, afirmou a ministra.

Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça (2002), ponderou que a Justiça tem sido demandada no Brasil para a solução de problemas em que o Judiciário e o Legislativo muitas vezes não conseguem formar um consenso. “Nós precisamos ser alimentados, precisamos conhecer a realidade do Judiciário para poder operar sobre ela. Ao mesmo tempo, nós advogados também devemos olhar para as nossas deficiências. Nós temos que saber que a Justiça tem que permanecer íntegra”, disse. 

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