Caso Juliana Marins: qual é o papel do Itamaraty em incidentes envolvendo brasileiros no exterior?

Desde o desaparecimento da brasileira Juliana Marins, após sofrer uma queda em uma trilha no Monte Rinjani, região vulcânica na Indonésia, na última sexta-feira (20/6), tem se intensificado uma onda de questionamentos acerca do papel do Itamaraty e do governo federal na busca pela brasileira desaparecida. O embaixador do Brasil na Indonésia, George Monteiro Prata, chegou a pedir desculpas à irmã de Juliana Marins pelo fato de ter repassado informações inverídicas sobre o salvamento da turista. “Peço desculpas, mas passei a informação de boa-fé”, afirmou o diplomata.

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Especialistas ouvidos pelo JOTA afirmam que o Ministério das Relações Exteriores, por meio de sua rede consular, tem o papel de prestar assistência consular a nacionais brasileiros no exterior com base em normas jurídicas internas, desde a Constituição Federal até o Manual do Serviço Consular e Jurídico, e internacionais, sobretudo a Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963, da qual o Brasil é membro desde 1967. Além disso, afirmam que, embora as situações sejam emergenciais, como é o caso da brasileira desaparecida na Indonésia, o Itamaraty não pode fazer uma intervenção direta, devido aos limites de jurisdição, devendo assim respeitar a soberania do outro Estado.

A assistência consular aos brasileiros no exterior compreende, entre outros serviços, a emissão de documentos – como passaportes e atestados –, apoio em casos de prisão, hospitalização, desaparecimento ou falecimento, repatriações – em casos extremos, como perigo em zonas de conflito –, além de mediação em situações de emergência. Na maioria das vezes, essa atuação assistencial se dá por meio dos Consulados brasileiros localizados nos países.

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No entanto, segundo Nathalia França, professora de Direito Internacional e Teoria do Direito na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, essa atuação tem limites, porque não envolve, por exemplo, custear diretamente tratamentos médicos ou processos judiciais, devendo ser observada a soberania do Estado estrangeiro.

Em casos de situações de emergência, a professora explica que a atuação do Itamaraty em acidentes ocorridos no exterior deve se dar por meio de cooperação com as autoridades locais, como pedidos formais de informação, acompanhamento do caso e solicitações diplomáticas para continuidade ou intensificação das buscas, sempre respeitando a jurisdição do Estado territorial. “Qualquer intervenção deve ser compreendida nesse sentido diplomático e cooperativo, não como ingerência”, afirma.

Tarciso Dal Maso, consultor legislativo do Senado Federal para Relações Internacionais, ressalta que todo incidente que ocorre em um país do exterior está sob a jurisdição deste país e, por isso, cabe a ele definir se irá aceitar ou não a cooperação e o auxílio externo do Estado da vítima do acidente. “Aceitar a cooperação seria até um ato discricionário do país que a recebe. Em tese, o Brasil até poderia sugerir, sim, uma espécie de auxílio, mas cabe ao país do incidente definir se irá permitir ou não a ajuda”, explicou.

Itamaraty não pode agir de forma voluntária

Elevine Brigido, advogada especialista em Direito Internacional e professora de Relações Internacionais da ESPM, destaca que o Itamaraty não pode voluntariamente agir em casos em que o país estrangeiro decida encerrar as buscas por um brasileiro desaparecido, por exemplo. “A gente tem que lembrar que, nesse caso, o Brasil não está na jurisdição dele. O Brasil tem que prestar assistência imediata no que acontece dentro do território brasileiro. Fora, é obrigação do outro Estado e seguindo as normas do outro Estado”, explica Brigido. 

Segundo ela, se essa situação de encerramento de buscas vir a acontecer, o Itamaraty pode solicitar que as buscas continuem e verificar a possibilidade de a família poder contratar uma equipe privada para realizar as buscas, assim como pode auxiliar nas negociações.

“O Itamaraty pode dar muito mais apoio do que fazer algo de fato. Há limites que impedem essa atuação. O Brasil tem liberdade plena de atuação dentro do território brasileiro. Dentro do território de outros países, ele não tem mais jurisdição. Então, tudo deve ser negociado”, destacou a especialista.

Nathalia França também assinala que qualquer atuação prática direta em território estrangeiro depende de consentimento expresso, o que, segundo ela, é bem possível de ser alcançado caso o problema seja falta de recursos ou deficiência técnica. Ainda que limitado juridicamente, a professora reitera que o Itamaraty dispõe de canais para pressão diplomática e pode mobilizar solidariedade internacional para manter o caso na agenda pública.

“Como não se trata de cometimento de crime pelo nacional brasileiro, como aconteceu com alguns turistas acusados de tráfico de drogas naquele país, cuja consequência legal é a pena de morte, a negociação diplomática é muito mais dialogada e fácil”, explica França.

Dal Maso, por outro lado, reitera que a Indonésia é um país que possui algumas “peculiaridades” em seu modo de organização social e que é um Estado com o qual o Brasil não possui muitas relações diplomáticas diretas, e nem possui muita “afinidade”. Essa distância diplomática pode acabar gerando um imbróglio para as negociações e a cooperação entre os dois países, assim como para a atuação do Itamaraty.

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Flávio Bastos, pós-doutorado em Direitos Humanos e Novas Tecnologias e professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, destaca que a celeridade de atuação — ou falta dela — do Itamaraty ou dos Consulados brasileiros é, em parte, consequência de inúmeros fatores, como o aspecto geopolítico, a situação social vigente no país estrangeiro, infraestrutura e a qualidade das relações diplomáticas. “O caso da jovem brasileira acidentada na Indonésia, por exemplo, envolve o local de acesso difícil e condições climáticas desfavoráveis. Contudo, é dever do governo brasileiro trabalhar para aperfeiçoar e melhorar seu tempo de resposta, especialmente em situações graves e urgentes, como é a situação de Juliana, até porque, nesta situação, as próprias autoridades atuantes no caso a princípio transmitiram informações que não eram verdadeiras, o que não é admissível em se tratando de estruturas oficiais”, pontuou o especialista.

Incidente ocorrido com a brasileira desaparecida na Indonésia

A região em que a brasileira sofreu o acidente é considerada de difícil acesso por ter um terreno íngreme, o que dificulta a chegada das equipes socorristas. O local do vulcão Rinjani também é conhecido por suas condições climáticas adversas, frequentemente concentrando uma onda de neblina intensa, o que dificulta a visão de amplitude, contribui para o aumento dos riscos de resgate da brasileira e leva ao cancelamento das buscas. Além disso, fatores como dificuldade de movimentação, ausência de meios aéreos e cordas insuficientes dificultam o resgate de Juliana Marins.

A família da brasileira desaparecida, por meio do perfil @resgatejulianamarins, no Instagram, tem noticiado as atualizações sobre as tentativas de resgate da turista. Segundo as últimas atualizações desta segunda-feira (23/6), às 16h do horário local (Indonésia), e por volta das 5h da manhã do horário de Brasília, o resgate foi interrompido devido às condições climáticas da região. De acordo com as informações do perfil, as imagens captadas por drones apontavam que a jovem parecia estar entre 500 e 600 metros penhasco abaixo.

Neste domingo (22/6), a irmã de Juliana Marins, Mariana, publicou um vídeo afirmando que o governo da Indonésia está “espalhando mentiras” para a embaixada do Brasil em Jacarta ao dizer que a jovem teria recebido água, agasalho e comida. Também criticou a Embaixada por não ter checado nenhuma destas informações antes de repassá-las aos familiares. “A Embaixada foi incapaz de pedir imagens. Inclusive, o vídeo do resgate chegando à Juliana é falso, eles que fizeram. Quase todas as informações que a gente têm agora foram falsas”, declarou a irmã da brasileira desaparecida.

Em nota, o Itamaraty informou que, desde que acionada pela família da turista brasileira, a Embaixada do Brasil em Jacarta mobilizou as autoridades locais, no mais alto nível, o que “permitiu o envio das equipes de resgate para a área do vulcão onde ocorreu a queda, em região remota, a cerca de quatro horas de distância do centro urbano mais próximo”.

Disse também que o embaixador do Brasil em Jacarta entrou pessoalmente em contato com diretor internacional da Agência de Busca e Salvamento e com o diretor da Agência Nacional de Combate a Desastres da Indonésia, e tem recebido das autoridades locais os relatos sobre o andamento dos trabalhos. Segundo o Itamaraty, dois funcionários da embaixada deslocaram-se neste domingo (22/6) para o local com o objetivo de acompanhar pessoalmente os esforços pelo resgate, que foi dificultado, no sábado (21/6), por condições meteorológicas e de visibilidade adversas.

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“O Ministro das Relações Exteriores, em nome do governo brasileiro, também iniciou contatos de alto nível com o governo indonésio com o objetivo de pedir reforços no trabalho de buscas na cratera do Mount Rinjani”, concluiu.

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