Ataque de Trump ao Irã é recado para outras potências médias como o Brasil

MIGA ou Make Iran Great Again. Em bom português, faça o Irã grande novamente. Ao embarcar na aventura do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, de forçar a queda do regime dos aiatolás que reprime a sociedade iraniana, o presidente americano, Donald Trump, expõe o equívoco de analistas que rotularam seu movimento como isolacionista em política externa.

O populismo de direita é, acima de tudo, contra o multilateralismo, o principal pilar da ordem que emergiu da Segunda Guerra Mundial. Saem os tratados e organizações internacionais como a ONU e volta a primazia da política entre grandes potências, como os próprios EUA, China e Rússia.

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Nesse novo velho contexto, o bombardeio de Washington contra as instalações nucleares de Teerã é um recado não apenas para a República Islâmica do Irã, mas para todas as potências médias — Brasil inclusive.

Trump sinaliza que quer limitar o clube de grandes potências nucleares aos atores que já detêm armas desse tipo — ou seja, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (China, EUA, França, Reino Unido e Rússia) que são reconhecidos como potências nucleares pelo Tratado de Não Proliferação (TNP), mais Coreia do Norte, Índia, Israel e Paquistão, os quais detêm ogivas e estão fora daquele acordo multilateral, que desde 1968 regula a proliferação dessa tecnologia no mundo.

Num mundo em que prevalece a lei do mais forte, possuir armas nucleares torna-se um elemento de dissuasão para países com o perfil do Brasil — figuram entre os maiores territórios, população e PIB do mundo, mas estão longe do primeiro escalão da política internacional devido à ausência de força militar e prestígio no sentido mais amplo.

O Irã, aliás, integra desde o começo do ano passado os Brics, bloco do qual o Brasil é sócio-fundador e passou a ser alvo de Trump já na campanha que o levou a um segundo mandato por conta dos planos de desdolarização das transações envolvendo os países do bloco.

Com a retaliação iraniana contra bases militares americanas no Qatar e no Iraque nesta segunda-feira (23), os EUA devem escalar ainda mais as tensões no Oriente Médio, bombardeando novamente o Irã e engajando-se de vez no projeto de Netanyahu de derrubar o regime islâmico, ainda que não necessariamente isso signifique a ascensão de um futuro governo aliado a Washington e Tel Aviv.

O recado de Trump para o mundo com o MAGA (Make America Great Again) em política externa nunca foi isolacionista. Trata-se de reafirmar a hegemonia americana não mais sob a fachada das instituições multilaterais, mas sob a realidade nua e crua das relações internacionais: entre Estados soberanos, sem um governo mundial, prevalece aquele com a maior capacidade coercitiva. Sem dúvida, elementos ideacionais seguem relevante, notadamente a projeção de narrativas nacionalistas e supremacistas como o MAGA nas relações exteriores.

O Brasil renunciou ao direito de ter armas nucleares ao se juntar ao TNP em 1998, no auge da globalização econômica e, antes, no entendimento bilateral com a Argentina que, desde os anos 1980, já havia pavimentado o caminho para o Mercosul e o fim dos programas militares nucleares que ambos os países tinham começado a desenvolver sob regimes autoritários.

Na Constituição de 1988, foi estabelecido o compromisso brasileiro de desenvolver tecnologia militar apenas para fins pacíficos. Agora, ainda que democraticamente decidamos revisitar esse princípio de modo a dissuadir potenciais ameaças, muito provavelmente teremos o mesmo destino do Irã.

Para Trump, melhor que o Brasil e qualquer outro país latino-americano retorne ao status de quintal dos EUA, de preferência com governos automaticamente alinhados a seus desmandos, como parecer ser o caso de qualquer administração de direita num futuro próximo. Eis nosso destino sob aqueles que usam sem pudor o boné MAGA e almejam o Planalto: sermos uma colônia de fato.

A alternativa, caso o trumpismo ou similares tenham longa vida no Ocidente, é correr o risco de ver bombas caírem dos céus ou pelo menos voltar ao instrumento favorito dos EUA para controlar a política latino-americana durante a Guerra Fria: golpes de Estado.

Agora não mais com tanques e baionetas, mas com o patrocínio de forças políticas pouco afeitas aos valores liberais que, não obstante notórias contradições, permitiram o florescimento da democracia, da economia de mercado e a difusão de normas de respeito aos direitos humanos enterrados de vez com a inevitável escalada de violência a ocorrer nos dias vindouros.

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