A crescente sofisticação das práticas de recrutamento no mercado de trabalho tem estimulado o uso de incentivos financeiros como forma de atrair profissionais altamente qualificados. Entre esses mecanismos, destaca-se o chamado hiring bonus, ou bônus de contratação — valor pago pela empresa ao futuro empregado como estímulo à aceitação de uma proposta de trabalho.
Esse tipo de pagamento, por ser desvinculado de qualquer contraprestação imediata de serviços, levanta discussões relevantes quanto à sua natureza jurídica, especialmente no que se refere à incidência de contribuições previdenciárias. Isso porque, conforme se depreende dos artigos 201, §11º da Constituição Federal e do artigo 28 da Lei 8.212/1991, apenas pagamentos habituais e em retribuição ao trabalho efetivamente prestado integram o salário-de-contribuição do empregado, base de cálculo das contribuições previdenciárias.
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Em um mercado cada vez mais competitivo, grandes empresas têm recorrido a estratégias sofisticadas de atração de talentos, entre as quais se destaca o pagamento antecipado de valores a profissionais estratégicos. A finalidade é clara: assegurar que o profissional aceite determinada proposta e, futuramente, celebre o contrato de trabalho. O hiring bonus, também conhecido como signing bonus ou “luvas”, é firmado antes da efetiva relação empregatícia, muitas vezes com características típicas de um pacto civil de promessa de contratação.
Nesse sentido, a natureza indenizatória do hiring bonus decorre justamente do seu papel compensatório, pois se trata de um valor destinado a cobrir eventuais perdas sofridas pelo profissional em razão da migração de sua carreira, como o abandono de planos de carreira, estabilidade ou bônus futuros em sua posição anterior.
Contudo, é fundamental destacar que a natureza jurídica da verba, embora relevante, não esgota a análise sobre sua sujeição à tributação previdenciária. Ainda que se desconsiderasse sua feição indenizatória, o hiring bonus não poderia integrar a base de cálculo das contribuições previdenciárias, pois não atende aos requisitos legais exigidos para tanto.
Conforme entendimento consolidado da jurisprudência, um pagamento só pode ser submetido à tributação previdenciária quando: (i) é concedido de forma habitual ao empregado; (ii) decorre da efetiva prestação de serviços; e (iii) é passível de incorporação aos proventos da aposentadoria. No caso do hiring bonus, nenhum desses elementos se faz presente, já que se trata de valor pago de forma isolada, sem habitualidade, desvinculado da prestação de serviços e sem correlação direta com a retribuição por trabalho efetivamente realizado.
Ainda que algumas cláusulas contratuais estipulem a devolução do valor em caso de saída precoce, por exemplo, antes de 24 meses, tal previsão não implica, por si só, a inclusão do pagamento na base de cálculo das contribuições previdenciárias. Trata-se de um mecanismo típico de proteção contratual ao investimento feito pelo empregador, amplamente aceito nas relações negociais privadas, que visa apenas evitar a rescisão antecipada por parte do contratado. Essa exigência atua como cláusula penal de proteção ao empregador e é amplamente aceita, portanto, sua existência não transforma o bônus em verba salarial.
No entanto, é verdade que decisões mais recentes têm, de fato, admitido a incidência de contribuição previdenciária sobre o hiring bonus quando seu pagamento está expressamente vinculado a cláusulas de permanência mínima no contrato de trabalho[1].
Nessas hipóteses, parte da jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e dos Tribunais Regionais Federais têm interpretado a exigência de devolução do valor em caso de desligamento antecipado como um indício de que a verba estaria vinculada à continuidade da prestação de serviços, aproximando-se, assim, da lógica remuneratória. Essa interpretação, contudo, não é unânime e, geralmente, limita-se a situações em que o contrato estabelece, de forma clara, que o pagamento da verba está condicionado à permanência efetiva do profissional por determinado período.
Por outro lado, há precedentes afastando a tributação quando o pagamento do hiring bonus é feito de forma desvinculada de obrigações futuras, ou não está condicionado à manutenção do vínculo por período mínimo[2]. Nesses casos, reconhece-se que o valor foi pago com o objetivo exclusivo de atrair o profissional, como uma liberalidade do empregador, sem que haja qualquer vínculo com a contraprestação de serviços ou com a continuidade da relação empregatícia. Essa distinção, embora sutil, tem sido determinante nas decisões e evidencia a importância da análise contratual individualizada para fins de qualificação jurídica da verba.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também já firmou entendimento no sentido de que a habitualidade no pagamento é critério essencial para aferição da natureza remuneratória de uma verba trabalhista. No caso do hiring bonus, a ausência de recorrência/periodicidade e a singularidade do pagamento reforçam sua condição de verba eventual e, portanto, não tributável.
Nesse sentido, a jurisprudência, ainda em construção, parece sinalizar que o critério central para a definição da tributação ou não será a efetiva função e forma de pagamento. Se não há habitualidade, nem prestação de serviço correlata, não há que se falar em remuneração e, portanto, não se deve cogitar incidência de contribuições previdenciárias sobre tais montantes. Embora existam decisões divergentes na jurisprudência, o critério predominante para a sua tributação está ligado à habitualidade e à vinculação direta com a prestação de serviços.
[1] TRF2; Sem informação 5008764-61.2023.4.02.5117; Relator(a): Desembargadora Federal Carmen Silvia Lima de Arruda; Órgão Julgador: Sem informação; Data da Decisão: 17/06/2024; Data de Publicação: 17/06/2024;
CARF, Processo nº 16327.721143/2015-09; Acórdão nº 2102-003.588, Rel. Cleberson Alex Friess, 2ª SEÇÃO/1ª CÂMARA/2ª TURMA ORDINÁRIA, Data da Decisão: 04/02/2025; Data da Publicação: 24/03/2025.
CARF, Processo nº 16327.720084/2023-53; Acórdão nº 2102-003.596, Rel. Cleberson Alex Friess, 2ª SEÇÃO/1ª CÂMARA/2ª TURMA ORDINÁRIA, Data da Decisão: 05/02/2025; Data da Publicação: 24/03/2025.
[2] (TRF2; Sem informação 5082162-89.2023.4.02.5101; Relator(a): Desembargador Federal William Douglas; Órgão Julgador: Sem informação; Data da Decisão: 05/08/2024; Data de Publicação: 05/08/2024