Meu filho nasceu no mesmo ano em que o meu pai morreu. A diferença de alguns poucos meses entre o óbito de um e o nascimento do outro impossibilitou que o avô, que a vida toda foi ausente da minha vida, conhecesse o neto. Como muitos brasileiros, fui um filho sem um pai.
Dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) mostram que, entre janeiro de 2016 e abril de 2025, 1.407.800 crianças foram registradas apenas com o nome da mãe. Isso significa 5,57% de todos os nascimentos no país nesse período.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
Não é só uma estatística: é como se toda a população de Belém tivesse nascido marcada pela ausência. Ou, se preferir imaginar, são 18 Maracanãs lotados — não de torcedores, mas de filhos sem pai. O Gráfico 1 ilustra a proporção de pais ausentes no registro de nascimento de crianças no Brasil.
A linha pontilhada vermelha ilustra a média. Esse indicador tem crescido. A proporção de registros sem o nome do pai passou de 5,28% em 2016 para 6,59% em 2025, um aumento de quase 25%. O ano de 2017 destoa da tendência geral, possivelmente devido a problemas de qualidade nos dados, e não a mudanças súbitas no comportamento paterno nacional. Vejamos agora a proporção de pais ausentes no registro de nascimento dos seus filhos por unidade da federação.
Roraima (10,6%) e Amapá (10,2%) lideram o ranking. Por lá, a cada dez crianças nascidas, uma vai viver a vida sem ver o nome do pai impresso na certidão de nascimento. Comparativamente, as regiões Norte (8,07%) e Nordeste (6,09%) exibem maior prevalência desse fenômeno. No Centro-Oeste esse percentual é de 5,44%. Sudeste (4,93%) e Sul (4,61%) conservam percentuais mais reduzidos.
Em coluna publicada no Estadão, o economista Pedro Nery abordou esse tema e destacou o livro O privilégio dos dois pais, de Melissa Kearney. Confesso que ainda não li, mas imagino que a obra deve corroborar um achado científico bastante robusto: ter dois pais é melhor do que ter apenas um. E ter pai e mãe de qualidade é ainda melhor.
Artigo publicado na revista Science demostra que a ausência do pai em roedores leva a alterações comportamentais significativas, como menor sociabilidade e maior ansiedade. Já uma pesquisa publicada na Nature indica que a perda de um dos pais durante a infância está associada a alterações significativas no desenvolvimento psicológico e emocional, incluindo padrões de apego inseguros e menor abertura a novas experiências.
Para quem se interessa pela base científica desse debate, recomendo também “O novo papel do pai”, de Paul Raeburn. O texto explora descobertas recentes sobre como a paternidade influencia o desenvolvimento infantil. O autor analisa estudos em neurociência, genética e psicologia para desmistificar estereótipos sobre o papel paterno. Pedro encerra o seu texto com uma provocação urgente: “Como deve ser a política social diante da escassez de pais?”.
Pessoalmente, tenho um compromisso: não quero reproduzir o mesmo tipo de paternidade que me foi oferecido. Quero fazer diferente. Mas, se você quiser reproduzir os gráficos deste artigo ou reutilizar os dados, basta entrar neste link, fazer download da planilha e executar no R. Os dados originais estão disponíveis para consulta no Portal da Transparência.