O imposto seletivo e as mudanças propostas pelo Senado

Um dos assuntos que tem sido muito discutido em relação à reforma tributária do consumo é a criação do imposto seletivo, que tem por objetivo desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente a partir da tributação da sua aquisição.

Ao analisar o texto da PEC 45, aprovado pela Câmara dos Deputados em julho deste ano, o Senado Federal propôs alterações em parte das regras relativas ao imposto seletivo, prevendo expressamente, no que interessa à presente análise, que o imposto terá finalidade extrafiscal e que incidirá apenas uma vez sobre o bem ou serviço prejudicial à saúde ou ao meio ambiente.

Assim, o presente artigo tem como objetivo analisar as alterações indicadas acima e demonstrar a importância de os ajustes propostos ao texto serem ratificados pela Câmara dos Deputados para que o imposto seletivo, de fato, desempenhe o seu papel idealizado pelo legislador constitucional.

Não é novidade que a PEC 45 trouxe como grande alteração da tributação do consumo a substituição do sistema atual por um novo mecanismo de tributação a partir de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, ou seja, composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

O IVA, que é um modelo de tributo que possui finalidade arrecadatória, tem como princípio fundamental a neutralidade tributária, alcançada pela não cumulatividade ampla do imposto. Em outras palavras, apenas o valor agregado em cada etapa da cadeia de produção é tributado, assim, na ponta da cadeia, o consumidor final do bem ou do serviço absorve o custo tributário de toda a cadeia de produção.

A experiência de utilização do IVA não é recente. Este modelo tributário surgiu na França, na década de 1930, e, segundo a OCDE[1], mais de 174 países já adotaram o imposto para a tributação do consumo, o que não deixa dúvidas de que é um sistema que funciona na prática.

Apesar de simples e didático, o modelo do IVA, adotado atualmente com sucesso por diversos países, como Canada, Índia e Nova Zelândia, não se confunde com o imposto seletivo que também é utilizado em outros países como forma de desestimular o consumo de determinados bens e serviços.

Conforme mencionado, a finalidade do imposto seletivo é onerar o consumo de determinados bens ou serviços que, por terem alto custo de aquisição, terão o seu consumo desestimulado pelo governo. Ou seja, não se busca arrecadar receitas tributárias para o financiamento das atividades estatais ou, ainda, adotar um modelo de cobrança de impostos que evite a tributação em cascata, que atualmente encarece o consumo no Brasil.

O que pretende o imposto seletivo é justamente dificultar o acesso a bens e serviços que, no entendimento do governo, não devem ser consumidos pela população por serem prejudiciais à sociedade de forma geral.

Por isso, a nosso ver, é de extrema importância que a Constituição Federal tenha expressamente previstos em seu texto os comandos que devem ser seguidos pelo legislador infraconstitucional – e aplicados pelo Poder Judiciário na interpretação das regras constitucionais – para dar ao imposto seletivo a finalidade pretendida pela Constituição.

Assim, entendemos que é muito bem-vinda no texto constitucional a previsão expressa incluída pelo Senado Federal no artigo 153, inciso VIII, parágrafo 6º, caput, de que o Imposto Seletivo “terá finalidade extrafiscal”.

Além das regras que serão criadas por lei complementar, toda e qualquer discussão relativa ao imposto seletivo terá sempre que observar o comando constitucional que estabelece que este tributo possui caráter extrafiscal e, portanto, deverá ser cobrado tão somente para desestimular o consumo de determinados bens e serviços, aumentando o seu custo de aquisição.

Da mesma forma, é esclarecedor o trecho incluído pelo Senado Federal no artigo 153, inciso VIII, parágrafo 6º, inciso III, do texto constitucional, que estabelece que o imposto seletivo “incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço”.

Até então, o texto aprovado pela Câmara dos Deputados era silente em relação à possível incidência do imposto seletivo em mais de uma etapa da cadeia, o que, inclusive, trouxe à discussão a possibilidade de o tributo ser não cumulativo, hipótese em que seria possível o aproveitamento de créditos do imposto ao longo da cadeia de consumo.

Como a finalidade do imposto seletivo é justamente onerar a aquisição do bem ou do serviço, a incidência única do imposto com o repasse do seu custo ao longo da cadeia de produção até o consumidor final cumpre o papel idealizado pela Constituição Federal de encarecer o consumo, desestimulando a aquisição do bem ou do serviço pela população.

Ainda, a falta de uma previsão expressa reconhecendo que o imposto seletivo deve incidir uma única vez sobre o bem ou o serviço tem o potencial de transformar o tributo em um IVA, que não foi a pretensão do legislador constitucional na criação do novo sistema tributário do consumo.

Portanto, a nosso ver, são bem-vindas as propostas ao texto da PEC 45 aprovadas pelo Senado Federal no mês de novembro deste ano em relação ao imposto seletivo, em especial para que seja expressamente previsto que o imposto terá caráter extrafiscal e que incidirá apenas uma vez sobre o bem ou serviço.

É extremamente importante que o texto constitucional tenha os mecanismos necessários para implementar, na prática, os ideais previstos pelo legislador constitucional, até mesmo como forma de controle de constitucionalidade da lei complementar que será editada em 2024 e da interpretação que será dada a ela pelo Governo Federal após o início da vigência do novo sistema tributário do consumo.

[1]OECD (2022). Consumption Tax Trends 2022: VAT/GST and Excise, Core Design Features and Trends, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/6525a942-en. Página 21.

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