Instituições e modelo regulatório: diferenças entre risco e incertezas

No curso de economia aprendemos desde o começo nas disciplinas de estatística e microeconomia as diferenças entre risco e incertezas. No caso do risco, é possível estimar a distribuição de probabilidade da ocorrência do evento, ou seja, mapear um evento de risco e tomar a decisão de seguir ou não é uma decisão racional. No caso da incerteza, não há distribuição de probabilidade de ocorrência, impossibilitando que a decisão nesse cenário seja tomada no espectro da racionalidade pela ausência de informação.

Essas diferenças são visíveis no dia a dia das pessoas e das empresas. Os agentes econômicos tomam decisões diariamente sob incertezas ou calculando riscos. Isso é parte da vida. Contudo, o problema emerge quando a quantidade de cenários de incertezas aumenta mais do que proporcionalmente que os cenários de riscos, pois as decisões majoritariamente deixam de ser tomadas de forma racional e passam a ser tomadas com base na fé.

É nesse momento que o papel das instituições é notado pela sociedade. As instituições são o conjunto de regras, normativos e as próprias entidades que as aplicam para manter a estabilidade nas interações sociais. Deste modo, a atuação das instituições é fundamental para o desenvolvimento dos países, pois sem regras claras e segurança na aplicação delas, o caos econômico e social começa a emergir.

A relação entre a atuação das instituições e a presença dos cenários de incertezas é umbilical, pois a presença das instituições atuando de forma eficiente é condição necessária para a minimização das incertezas.

Essa relação entre instituições e incertezas é visível e latente na regulação dos setores produtivos, especialmente nos setores de infraestrutura que são marcados pela presença de monopólios naturais.

Conforme destacam Acemoglu e Robinson (2012), são as instituições as responsáveis pelo desenvolvimento, e não a herança ou sorte relacionada a abundância de recursos naturais. No caso dos setores de infraestrutura, em que lidamos com as falhas de mercado, a necessidade de instituições bem estabelecidas para garantir essa segurança jurídica e permitir uma prestação do serviço adequada se torna mais evidente. Uma vez que os serviços de infraestrutura são marcados por estruturas de mercado monopolistas, é necessária a existência do regulador para garantir que a firma não exerça o seu poder de monopólio e extraia o bem-estar dos consumidores. Sendo assim, atuações inapropriadas do regulador geram efeitos perversos para a sociedade.

A realidade desses mercados possibilita conectar e entender a discussão entre os modelos regulatórios, entre a regulação discricionária e contratual. No modelo discricionário, a regulação do setor ganha pela flexibilidade, mas perde por ter mais espaço para arbitrariedade. Por outro lado, a regulação contratual traz um modelo mais previsível, mas menos apto a lidar com imprevistos.

Sem entrar nas particularidades dos modelos, a maturidade e qualidade das instituições influencia diretamente as preferências pelos modelos regulatórios citados, norteando a escolha do modelo e as consequências que esses modelos trazem para a sociedade.

Figura 1: Relação entre Qualidade Institucional e Modelo de Regulação
Econômica 

Fonte: Adaptado de Turolla (2023), webinar “Regulação contratual x regulação discricionária: como avançar no saneamento”

No quadrante A e B temos os casos em que a sociedade consegue ter o seu bem-estar maximizado, onde teoricamente A=B. O quadrante C trata do second-best entre as opções existentes, pois ainda é possível alcançar um nível de máximo de bem-estar, embora esse máximo seja local e não global, seguindo a linguagem dos matemáticos. O quadrante D traz o pior dos cenários, pois neste caso não seria possível alcançar algum nível satisfatório de bem-estar, pois as condições necessárias para essa otimização não seriam mais presentes.

Os quadrantes A e B são teoricamente equivalentes por se tratar de modelos que buscam a mesma coisa, mas de formas diferentes, que seria o máximo bem-estar para sociedade. Na prática, as diferenças de bem-estar seriam causadas pelos custos de transação presentes nos modelos discricionário ou contratual.

Com efeito, A > B se o custo de transação atrelado aos custos de elaboração de contratos e judicializações fossem maiores do que os custos para manter uma estrutura regulatória robusta. Da mesma forma, B > A se o custo de manutenção da estrutura regulatória fosse maior do que o custo de estruturação e fiscalização do contrato.

O ponto principal dessa análise simplificada é que, com maturidade regulatória, instituições eficientes e segurança jurídica, os efeitos e consequências da aplicação do modelo contratual ou discricionário são mínimos, pois as instituições funcionam apropriadamente, conseguindo criar o ambiente para a maximização do bem-estar social.

Essa equivalência é mais visível quando analisado as diferenças entre os quadrantes C e D, pois o bem-estar sempre seguirá C > D. Em um cenário de baixa qualidade institucional, as brechas que o modelo traz para a arbitrariedade e captura são muito maiores do que a do modelo contratual, deste modo as firmas sempre estarão sujeitas às vontades e desejos dos reguladores.

Para sanar parte das externalidades negativas que o ambiente de baixa qualidade institucional gera, o modelo de regulação contratual surge como esperança para mitigar esses efeitos adversos. No modelo contratual, as condições e regras ficam claras e os riscos podem ser precificados, de forma que eventos de riscos podem ser mapeados e precificados novamente.

A baixa qualidade institucional sempre será presente no cenário posto pelo quadrante C, de forma que haverá uma perda de bem-estar pelos custos de transação gerados para mitigar os efeitos das instituições. Ainda assim, consideradas as condições de contorno adversas postas, ainda é possível encontrar um equilíbrio onde o bem-estar é maximizado, pois isso a definição dele como um second-best.

O cenário imposto pelo quadrante D é considerado impossível de alcançar um equilíbrio no bem-estar, pois no cenário de baixa qualidade institucional e regulação discricionária, os incentivos às boas práticas se esvaziam e o ambiente se torna mais propício ao rent-seeking, capturas regulatórias ou de abuso de mercado. Desta forma, os serviços tendem a não ser prestados de forma universalizada, com preços elevados e baixa qualidade.

A discussão resumida entre os modelos regulatórios e o nível de qualidade institucional reflete os questionamentos de Acemoglu e Robinson de porque algumas nações prosperam mais do que outras. Nesse contexto a governança regulatória tem um papel fundamental e tende a contribuir diretamente para o sucesso de prestações de serviço em ambientes de monopólio natural.

Embora seja um exercício teórico, é importante que sempre haja a reflexão sobre o nível de qualidade institucional de um país, estado ou município no momento de desenhar contratos para a prestação de serviços públicos, pois essas escolhas podem ter reflexos significativos sobre o bem-estar da sociedade.

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