Contribuição previdenciária patronal na Justiça do Trabalho

Trataremos neste estudo da sistemática de incidência da Contribuição Previdenciária Patronal (CPP) incidente sobre os valores pagos aos empregados por força de determinação judicial ou de acordos firmados perante a Justiça do Trabalho.

O deslocamento do pagamento da remuneração contraprestatória pelo trabalho para o ambiente da JT não infirma o fato imponível ou a relação jurídica tributária nascida da relação sinalagmática instaurada os sujeitos da relação laboral. A materialidade prescrita no art. 22, I, da Lei 8.212/1991 continua sendo, como entendemos, o pagamento de remuneração contraprestatória de trabalho, pelo tempo colocado à disposição ou por obrigação legal.

A necessária relação de coerência interna do tipo impõe a inerência da materialidade da hipótese à base de cálculo adotada pelo legislador ordinário, qual seja, com obviedade, o valor da remuneração paga. Disso decorre, por imperativo lógico, que o critério temporal da hipótese de incidência tributária da CPP seria o momento do pagamento, pois só então fica determinada a base de cálculo. Sustenta este entendimento o luminar ensinamento do prof. Paulo de Barros Carvalho no sentido de que “a BC afirma, confirma ou infirma a materialidade da hipótese”[1].

Contudo, essa não foi a escolha do legislador, que através da Lei 11.941/2009, alterou o § 2º do art. 43 da Lei 8.212/91 para prescrever que “considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço”. Esta posição é adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos REsp 712.185/RS, REsp 1018189/RS, REsp 501.252/PR, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ARE 1.070.334, pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) no enunciado da Súmula 368, itens IV e V e pela própria Receita Federal no Parecer Normativo COSIT 25/2013.

Em homenagem à necessária interpretação pragmática e à celebrada praticabilidade do direito tributário, nos curvamos a este entendimento, com suas consequentes implicações, em especial na aplicação da norma de decadência.

Sendo assim, prestado o serviço, nasce a obrigação tributária de pagar a contribuição, ou seja, a contribuição passa a ser devida, dependendo, apenas, de quantificação.

É importante esclarecer que não existe uma contribuição previdenciária cuja hipótese de incidência seja o pagamento em ação trabalhista. A contribuição previdenciária é uma só e tem como fato imponível a prestação do serviço laboral. Não há dispositivo legal que determine regra diferente desta.

Pois bem. No contexto da CPP paga por decorrência de Norma Individual e Concreta formalizada pelo Judiciário trabalhista (sentença ou acordo), para fins de aferição da incidência da norma de decadência prevista no Art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional (CPP é tributo sujeito a lançamento por homologação), deve-se aferir o transcurso do lapso temporal de 5 anos ocorrido entre o fato gerador e o lançamento. Os fatos geradores no caso da relação laboral são a prestação de serviços, aferida mês a mês. Desse modo o prazo decadencial é aferido entre o dia 01 de cada mês e o lançamento (sentença ou acordo).

Por outro lado, há respeitável corrente doutrinária e jurisprudencial que sustenta que a sentença trabalhista ou o acordo não são hipóteses de lançamento tributário previstas no CTN, razão pela qual, diante da inexistência de lançamento tributário das contribuições previdenciárias devidas na Justiça do Trabalho, caberia à Justiça do Trabalho apenas a sua execução de ofício, na forma do art. 114, VIII, da Constituição Federal.

Nesse sentido é a interpretação dada pelo desembargador Leandro Paulsen, que em voto destacou que “embora seja constitucionalmente atribuída à Justiça do Trabalho competência para executar, de ofício, as contribuições decorrentes das sentenças que proferir, não se pode fazer uma leitura isolada do art. 114, VIII, da Constituição, sem compatibilizá-lo com o art. 142 do CTN, segundo o qual compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, bem como com o art. 879, § 3º, da CLT, que prevê a intimação da União após a elaboração dos cálculos pela Justiça do Trabalho, a fim de que se manifeste sobre os valores apurados a título de tributos. A competência da Justiça do Trabalho prevista no inc. VIII do art. 114 da CF está adstrita à execução das contribuições que exsurgem de suas condenações, não sendo competente o juiz do trabalho para o lançamento propriamente dito do tributo. Deverá, isso sim, apurar o valor devido e intimar a União para se manifestar, procedendo-se, posteriormente, à execução.”[2] (grifos originais)

Isto posto, a exemplo, se o reclamante tiver trabalhado mais de 5 anos em uma empresa e ajuizar a RT no dia seguinte ao término do contrato de trabalho, e a demanda tramitar por 1 ano, 20% do crédito tributário estará decaído, e assim proporcionalmente, de modo que ao cabo de 5 anos, todo o crédito será fulminado pela norma de decadência.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que a aplicação da regra do art. 43 da Lei 8.212/1991 retira do Fisco a pretensão de exigir o crédito tributário já extinto, a lei tributária também confere ao Fisco o direito de exigir a cobrança de atualização monetária e dos juros de mora a contar da prática de cada fato gerador, isto é, a partir de cada mês em que o serviço foi prestado pelo Reclamante, nos termos do art. 43, §3º, da Lei 8.212/1991.

Além disso, também passa a ser devida multa de mora a partir do primeiro dia subsequente ao término do prazo de 48 horas para pagamento da contribuição previdenciária, após a citação na fase de execução, limitada a 20% (art. 61, §2º, da Lei 9.430/96, c/c art. 880, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho).

Considerando-se as informações reunidas no anuário “Justiça em Números 2022” do Conselho Nacional de Justiça[3], ainda que seja curto (nove meses, média nacional) o tempo de tramite dos processos trabalhistas na fase de conhecimento até prolação de sentença ou acordo (momento da constituição do crédito tributário), essa demora é suficiente para se afirmar que parcela da arrecadação bilionária de contribuição previdenciária feita pela Justiça trabalhista[4] não deveria ser exigida do executado, caso o argumento da decadência tributária das contribuições previdenciárias fosse efetivamente pleiteado pelos causídicos trabalhistas e entendido e interpretado corretamente pelos Juízes do Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho e, ao fim, pelo TST.

Outra discussão tributária relevante nas reclamatórias trabalhistas, mas pouco argumentada pelos causídicos trabalhistas, diz respeito à possibilidade de o empresário executado não ser exigido do recolhimento da contribuição previdenciária patronal de 20% devida se, no período em que o Reclamante prestou serviços, a empresa estava no regime da desoneração da folha de pagamentos previsto pela Lei 12.546/2011. Essa regra não é novidade. Está inserta no Parecer COSIT 25/2013 e regulamentada pela Instrução Normativa RFB 2053/2021.

Essa regra já foi internalizada pelo TST, que já construiu jurisprudência firme no sentido de “que a aplicação do regime diferenciado de recolhimento previdenciário estabelecido na Lei 12.546/2011 está vinculada ao período em que a empresa esteve submetida ao regime de contribuição incidente sobre a receita bruta e à data da prestação de serviços, não se limitando apenas aos contratos em curso.[5]

Lembremo-nos, o regime da desoneração da folha de pagamentos é regra tributária substitutiva por excelência, por meio da qual os contribuintes que se qualificam com os critérios legais[6] optam[7], no início de cada ano, por tributar a receita bruta no lugar de recolher a contribuição previdenciária patronal de 20%. Em resumo, o Reclamado não pode ser exigido a recolher dois tributos, se um deles veio justamente a substituir o outro, sob pena de a União Federal ocorrer em enriquecimento ilícito.

Desse modo, basta ao empregador comprovar ao juiz que ao tempo dos fatos ele estava no regime da desoneração da folha de pagamentos para não proceder ao recolhimento da CPP de 20%, ou vir a fazê-lo proporcionalmente, na forma do regime misto, quando o empregador apura e aplica, mês a mês, o percentual que deve recolher a título da CPP de 20% em função do percentual da bruta não desonerada auferida.

Importante esclarecer que o direito ao não recolhimento da CPP de 20% não é condicionado ao pleito na reclamatória trabalhista. Caso advogado trabalhista falte em fazer esse pedido e o executado faça o recolhimento indevido, ele poderá ingressar na Justiça Federal e obter pleito para não se sujeitar ao “recolhimento da contribuição previdenciária patronal em sentenças e ações trabalhistas que tenham por objeto fatos geradores (competências da prestação do serviço) posteriores ao início do regime da CPRB”, conforme decidiu recentemente o Tribunal Regional Federal da 3ª Região.[8].

Em síntese, inobstante essas duas situações (decadência tributária e desoneração da folha de pagamentos) caracterizarem pagamento indevido, elas têm sido pouco levadas ao conhecimento do Judiciário trabalhista. Isso, todavia, não retira do executado o direito de reaver esses créditos tributários, seja na via administrativa ou na via judicial.

[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 21ª Edição. P. 175.

[2] TRF-4, AC: 50316621220194047200, Primeira Turma, Relator: Leandro Paulsen, Data de Julgamento: 23/11/2022.

[3] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022-1.pdf

[4]https://www.amatra13.org.br/noticias/maior-parte-do-dinheiro-arrecado-pela-justica-do-trabalho-e-de-contribuicao-previdenciaria/

[5] RR-10429-53.2019.5.03.0098, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 10/07/2023.

[6] Segundo a Lei nº 12.546/2011 para optar pelo regime da desoneração da folha de pagamentos a empresa exercer atividade, produzir produto ou ter CNAE previsto na lei, bem como auferir receita bruta da atividade desonerada superior a 5% da receita bruta total da empresa.

[7] Destaque-se, entretanto, que de 12/2011 a 11/2015 o regime da desoneração da folha de pagamentos era mandatório e não facultativo.

[8] TRF 3, Apelação nº 5007699-67.2020.4.03.6100, Rel. Des. Fed. Wilson Zauhy, Data de Julgamento: 19/05/2023.

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