O Barbenheimer chegou. Nesta quinta-feira (20), dois dos filmes mais aguardados do ano — Barbie e Oppenheimer — estrearam nos cinemas, exemplificando, nas palavras publicadas pela influente revista Economist, o escapismo e a dura realidade. Porém, no mundo cor-de-rosa da boneca mais famosa do mundo e na imagem apocalíptica do cogumelo atômico que a equipe liderada nos anos 1940 pelo físico teórico Robert Oppenheimer nos legou, residem dois dilemas fundamentais da democracia contemporânea: a legitimidade interna e a proteção a amaças externas que, em última instância, podem significar o colapso de instituições como sufrágio universal e a existência de eleições livres e competitivas, além, claro, dos direitos das minorias políticas, sociais e econômicas.
Em Barbieland, como a crítica cultural notou de modo reiterado nos últimos dias, as bonecas dominam a vida da “pinkpolis”, enquanto os diversos bonecos Kens são meros acessórios. Na vida real, é por se sentirem sem qualquer relevância que indivíduos se organizam em grupos identitários com propósitos políticos. Foi o caso da mais que necessária busca por igualdade de segmentos étnico-raciais discriminados nos Estados Unidos, notadamente os afro-americanos, nos anos 1950 e do renascimento do autoritarismo expresso pelo nacionalismo branco no Ocidente, o qual busca uma lógica majoritária cujo objetivo é converter em cidadãos de segunda classe os integrantes de minorias em geral.
Não à toa, grupos reacionários americanos já lançaram uma campanha contra o filme Barbie — veem no empoderamento feminino de Barbieland uma ameaça às suas pretensões supremacistas. Será surpreendente caso o mesmo não venha a ocorrer no Brasil entre círculos misóginos, simpáticos às teses da extrema direita local, a qual move seus moinhos com os ventos do norte.
Nos estudos de segurança internacional, muito se explora o papel de contenção que as armas nucleares exerceram na Guerra Fria contra a ameaça de expansionismo soviético na Europa Ocidental. Do mesmo modo, acadêmicos afiliados a correntes de centro-direita indicam hoje que o arsenal de ogivas instaladas naquela região é fundamental para conter o imperialismo de Vladimir Putin. No equilíbrio de forças nucleares, repousaria o princípio da coexistência, necessário para a manutenção de uma ordem internacional multipolar, com democracias e autocracias figurando entre os Estados mais poderosos.
O fato é que o custo de manter não apenas um arsenal nuclear, mas todo um aparato de defesa, faz com que menos recursos sejam gastos com a população em áreas fundamentais para ampliar as capacidades individuais. O caso da Índia, que expôs ao mundo sua capacidade nuclear para fins militares em 1998 mesmo com indicadores sociais análogos aos da África Subsaariana, ilustra bem essas contradições. Independentemente do regime político doméstico, prevalece, porém, a vontade dos Estados de sobreviverem num mundo que eventualmente pode resvalar na anarquia, considerando a ausência de uma autoridade que paire de maneira incondicional sobre entidades soberanas.
Se Oppenheimer legou aos Estados um método caro – muito embora eficaz – para conter inimigos no campo militar, hoje governos dos mais diversos matizes não sabem ao certo como se proteger das ameaças legadas pelas redes sociais. O crescimento da extrema direita na Europa e a ameaça de retorno de Donald Trump ao poder nos EUA equivalem a uma bomba atômica capaz de implodir ou pelo menos dilacerar a democracia liberal tal como concebida hoje. Nos dias atuais, portanto, escapismo é ignorar tais ameaças. Tal como a Barbie encarnada na telona por Margot Robbie, cabe a nós sairmos da Barbieland em que muitos democratas vivemos e encarar o mundo real fora do salto alto. Somente assim, a verdadeira arma nuclear que amedronta as sociedades livres hoje — a extrema direita — poderá ser derrotada.