Dois projetos de reforma tributária do consumo buscam introduzir no Brasil um autêntico imposto sobre o valor adicionado (IVA). Eles diferem num aspecto importante. O projeto da Câmara dos Deputados (PEC 45) cria um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) para substituir e unificar o ICMS estadual, o ISS municipal e três tributos federais (PIS, Cofins, IPI).
Já o projeto do Senado (PEC 110) cria dois tributos, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal, e o IBS, de estados e municípios – daí o apelido de IVA dual. Os dois tributos teriam a mesma base.
O IBS seria administrado por um conselho formado de membros dos fiscos dos três níveis de governo. Já na opção pelo IVA dual o conselho administraria apenas o IBS subnacional, pois a CBS permaneceria na esfera da Receita Federal onde estão PIS, Cofins e IPI.
O que torna atraente o IVA dual é o fato de requerer menos coordenação entre os fiscos. Não estando a União envolvida, seria mais fácil aos entes subnacionais se entenderem, eles que já têm foros de articulação como Confaz e Comsefaz. Além disso, a troca dos citados tributos federais pela CBS seria muito simples, dispensando período de transição.
Pela óptica dos fiscos, tudo indica que o IVA dual é o preferido. Estados temem que o conselho gestor do IBS unificado, ainda que de representação paritária, possa vir a ser dominado pela Receita Federal. O fisco federal, por sua vez, teme perder o controle de PIS e Cofins para a gestão colegiada. Teme também a potencial imiscuição dos estados nas finanças federais.
Pela óptica do contribuinte, a substituição de cinco tributos por um ou dois ensejará menos declarações tributárias por apresentar, menos pagamentos por fazer, menos informações por prestar. E se, como se propõe, a CBS e o IBS subnacional tiverem a mesma estrutura, sendo um espelho do outro, caminhariam em paralelo sem problema, como acontece hoje com PIS e Cofins que de tão semelhantes são tratados como se fossem um só tributo (PIS/Cofins).
A simplificação de procedimentos vem somar-se às vantagens econômicas do novo tributo, destacadamente a não cumulatividade pelo creditamento irrestrito do imposto pago nas compras, a pronta devolução de créditos acumulados por exportadores, a completa desoneração do investimento. Até aqui a vantagem que leva o IBS unificado sobre o IVA dual é real, mas pequena.
O contribuinte, no entanto, enfrentaria com o IVA dual riscos adicionais aos que enfrentaria com o IBS único. Suponhamos que a lei da CBS tenha o mesmo conteúdo da lei do IBS subnacional. O fato de que este terá dispositivos inexistentes na CBS (conselho gestor, coparticipação dos municípios na receita, funcionamento do princípio de destino, mecanismos de transição, fundo de desenvolvimento regional etc.) não é problema. O problema estará na estabilidade da matéria comum, o núcleo duro do tributo.
Expliquemos. No passar do tempo, haverá pressões para mudar um dos tributos sem garantir que a mudança se estenda ao outro. A proibição de conceder incentivos fiscais, por descabidos neste tipo de tributo, reduz bastante esse risco, mas há questões mais simples, como o período de apuração ou o prazo para pagamento, cuja alteração poderá causar rachaduras nos espelhos.
Mesmo que a estrutura normativa comum não se rompa, CBS e IBS subnacional teriam máquinas fiscalizadoras diferentes, com critérios próprios. Mais gravemente, os conflitos entre fisco e contribuinte seriam resolvidos por órgãos administrativos e judiciais diferentes. O IVA dual tornaria hercúlea a tarefa de manter uniformidade de interpretação em todos os poderes tributantes e seus órgãos jurisdicionais. O mesmo fato poderia receber interpretações divergentes, as quais poderiam fazer ressurgir o contencioso tributário infernal de que queremos nos livrar com a reforma.
Se fosse o caso de criar, como às vezes se tem aventado, o IBS trial, em que o município teria um tributo para chamar de seu (o IBS municipal), a dificuldade de uniformizar, apontada acima, seria amplificada exponencialmente. A bem da brevidade ignoremos tal hipótese e suponhamos que o IBS subnacional seria arrecadado pelo estado (via conselho gestor) e a receita compartilhada com seus municípios, como ocorre hoje com o ICMS e o IPVA.
Em resumo: para o contribuinte, o IBS unificado constitui um formato de reforma tributária mais interessante que o IVA dual. Mas ambos são bons e qualquer deles melhoraria muito a situação atual. Ao fim e ao cabo, o processo político definirá o contorno da reforma: ou se avança mais ou se avança menos – o importante é avançar.