Julgamento do STF sobre prisão especial não se aplica a advogados

Em julgamento recente na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 334, Rel. Min. Alexandre de Moraes, contra o artigo 295, inciso VII, do CPP[1], cuja regra estava vigente desde 1941, o Supremo Tribunal Federal declarou que o dispositivo do Código de Processo Penal que concede o direito a prisão especial a pessoas com diploma de ensino superior, até decisão penal definitiva, não é compatível com a Constituição Federal (não foi recepcionado)[2].

Segundo a Procuradoria-Geral da República, que ajuizou a ação, “a discriminação por nível de instrução contribui para a perpetuação da seletividade do sistema de justiça criminal e reafirma a desigualdade, a falta de solidariedade e a discriminação”. O fundamento para a decisão do colegiado, que seguiu o entendimento do relator, é que “não há justificativa razoável, com fundamento na Constituição Federal, para a distinção de tratamento com base no grau de instrução acadêmica”.

Nesta linha, parece que a decisão da corte foi acertada ao corrigir distinção que contrariava o princípio da isonomia contido no art. 5º, caput, da Constituição, além do inciso XLVIII do mesmo dispositivo, o qual afirma que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado, sem qualquer menção à prisão especial em razão de titulação acadêmica.

Embora a decisão tenha declarado a inconstitucionalidade do art. 295, VII, do CPP, os demais incisos que tratam da prisão especial, antes da condenação definitiva, de ministros de Estado, chefes do Executivo, chefes de polícia, oficiais das Forças Armadas, magistrados, cidadãos que exerceram a função de jurado e delegados de polícia e guardas civis, não foram objeto de avaliação pela corte, tampouco foi declarada a inconstitucionalidade por arrastamento do art. 7º, V, do Estatuto da OAB[3], do art. 40, V[4], da Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e do art. 17, II, “e”[5], da Lei Complementar 75/93 (Estatuto do Ministério Público).

A princípio, embora a decisão pareça ter mantido uma situação anti-isonômica em vigor, há razão para a manutenção de tais dispositivos. Nesses casos, a distinção não atenta contra a isonomia e a justiça social, eis que buscam preservar outros valores igualmente relevantes para a manutenção do Estado de Direito e da ordem social, de modo a garantir a segurança, a incolumidade e o direito fundamental à dignidade física e psíquica de autoridades que desempenham função de risco sob o prisma do sistema criminal.

É evidente que tal distinção busca evitar que tais atores sejam vítimas ou sofram abalos dentro do sistema carcerário que, como é de conhecimento geral, não nutre afeto aos profissionais ligados ao sistema de justiça. Portanto, não se trata de privilégio, mas garantia funcional até o trânsito em julgado, sobretudo porque não se aplica a prisão definitiva, após a condenação final, a qual será cumprida regularmente em estabelecimento prisional. Ao fim e ao cabo, findo o processo penal, a autoridade não mais gozará desse benefício justificado.

O voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, reconhece a existência daqueles outros dispositivos que estendem o mesmo benefício a outras autoridades e categorias profissionais, de modo que, caso a corte entendesse pela inconstitucionalidade de tais dispositivos, a teria declarado por arrastamento. De igual modo, a extensão não foi requerida pela PGR em sua peça inicial; pelo contrário, a Procuradoria afirmou expressamente, em parecer, que aquela distinção se justificaria pelos motivos expostos.

Nessa linha, vale citar o seguinte trecho do voto de S. Exa.:

Ocorre, no entanto, que a própria Constituição Federal legitima um tratamento diferenciado, por parte do Poder Público, na forma de recolhimento de determinados presos, tendo em consideração circunstâncias específicas que justificam essa consideração excepcional. (…) A segregação do ambiente carcerário comum, nesses casos, visa a atender a determinadas circunstâncias pessoais que colocam seus beneficiários em situação de maior e mais gravosa exposição ao convívio geral no cárcere, evitando, por exemplo, qualquer violência (…) busca-se conferir maior proteção à integridade física e moral de presos que, por suas características excepcionais, se encontram em situação mais vulnerável, ou seja, substancialmente desigual, e que, por isso mesmo, merecem um tratamento também desigual por parte do Poder Público.

O ministro relator aduz que:

Especificamente no tocante ao direito à prisão especial de natureza cautelar, a previsão de estabelecimentos diversos para o recolhimento provisório também visa a preservar a integridade e incolumidade de seus destinatários, considerada a existência de vulnerabilidades de algumas pessoas sob custódia que as colocam sob um perigo maior de serem afetadas em seu bem-estar físico e/ou psíquico quando colocadas em convivência comum com os demais presos, recomendando, portanto, a sua segregação. É o que ocorre, por exemplo, com os presos provisórios que, antes de serem recolhidos na prisão cautelar, exerceram profissões ligadas à administração da justiça criminal ou atividades públicas políticas e administrativas, e que podem vir a sofrer vingança, retaliação ou intimidação no convívio comum com outros presos.[6]

A Constituição prevê que a magistratura é independente e a advocacia, as procuradorias e os membros do Ministério Público são funções essenciais à Justiça. Dessa forma, como corolário da isonomia na vertente material, considerando também a necessidade de interpretação sistemática da Constituição, deve ser defendida a constitucionalidade da prisão especial para aquelas autoridades, até o julgamento final, na medida em que se trata de proteger os profissionais e autoridades que exercem seu munus com risco inerente, de modo a garantir a plena defesa do Estado de Direito e do próprio sistema de justiça.

[1]  Art. 295.  Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva:  (…) VII – os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República.

[2] STF derruba prisão especial para pessoas com diploma de nível superior. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=504930&ori=1>. Acesso em 06/04/2023.

[3] Art. 7º São direitos do advogado: (…) V – não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar.

[4] Art. 40. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, além de outras previstas na Lei Orgânica: (…) V – ser custodiado ou recolhido à prisão domiciliar ou à sala especial de Estado Maior, por ordem e à disposição do Tribunal competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final.

[5] Art. 17. Os membros do Ministério Público da União gozam das seguintes garantias: (…) II – processuais: e) ser recolhido à prisão especial ou à sala especial de Estado-Maior, com direito a privacidade e à disposição do tribunal competente para o julgamento, quando sujeito a prisão antes da decisão final; e a dependência separada no estabelecimento em que tiver de ser cumprida a pena.

[6] O Ministro cita também doutrina do Professor Gustavo Badaró: “Essa situação é bem ilustrada pelo professor Gustavo Badaró (Reflexões sobre a prisão especial. Enfoque jurídico, n. 15, Brasília, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ago. 2001, p. 4): “Determinados indivíduos, em função dos cargos que exercem, merecem um tratamento diferenciado, por serem substancialmente desiguais dos demais. Basta pensar, por exemplo, nos policiais civis e militares, bem como em todos aqueles que atuam na administração da justiça criminal, entendida em sentido lato. Trata-se de pessoas ‘desiguais’, que merecem um tratamento especial, na medida em que se desigualam. Não há como manter encarcerados em celas comuns os policiais, civis ou militares, os promotores de justiça ou juízes de direito, em especial os que atuam na justiça criminal. Tal medida equivaleria a instituir, do ponto de vista prático, a pena de morte para tais pessoas”.

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