A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará em sede de Recursos Repetitivos, na próxima quarta-feira (26), diversos casos que tratam da não incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores de benefícios fiscais de ICMS. Diferentemente do processo que foi julgado em 2017 (EREsp 1.517.492), que tratava de incentivo concedido por crédito presumido, neste mês o STJ analisará se às demais formas de concessão de benefícios de ICMS – isenções, reduções de base de cálculo, dentre outras – se aplicam as mesmas conclusões.
No citado precedente o tribunal firmou entendimento de que o IRPJ e a CSLL não podem gravar os incentivos concedidos pelos estados, por dois fundamentos: ofensa ao pacto federativo e ausência de materialidade para incidência do IRPJ e da CSLL. Naquela ocasião, afastou-se a possibilidade de benefícios concedidos por estados-membros serem onerados por tributos de competência de outros entes da Federação, sob pena de reduzir, ainda que indiretamente, a vantagem fiscal concedida, em conflito com a organicidade do princípio federativo. Definiu-se, também, que os incentivos não são renda ou lucro, inviabilizando sua inclusão nas bases de incidência dos tributos em questão.
Após o julgamento desse precedente várias decisões foram proferidas pela 1ª Seção do STJ no sentido de que nada se alterou com o advento da Lei Complementar 160/17. O tribunal entendeu que a lei é irrelevante, inaplicável e ofende o pacto federativo ao fixar condições para o reconhecimento da não incidência do IRPJ e da CSLL sobre benefícios conferidos pelos estados.
Nesse cenário jurisprudencial surgiu a divergência de entendimento, na 2ª Turma do STJ (da qual fazem parte os ministros que restaram vencidos no julgamento do EREsp nº 1.517.492), frente à questão da aplicabilidade do precedente aos benefícios de ICMS conferidos por meios diversos do crédito presumido.
Em 2022, analisando casos de isenções, os ministros da 2ª Turma passaram a acatar razões trazidas pela Fazenda Nacional de que o precedente firmado na 1ª Seção não se aplicaria a outros benefícios além de créditos presumidos, por ausência de similaridade fática – embora existam diversas menções genéricas no acórdão do EREsp 1.517.492, tratando o tema por benefícios, sem particularizar um ou outro método de concessão.
Embora os ministros aleguem justamente o contrário em suas decisões, por se tratar de precedente fundamentado na ofensa ao pacto federativo, é evidente que se aplica a quaisquer incentivos, malgrado a forma de concessão, simplesmente pela impossibilidade de limitação ou redução de qualquer deles, por outro ente federado. O STJ resguardou a autonomia do ente tributante para incentivar um setor, conduta, ou atividade, sendo irrelevante a forma da benesse concedida.
Ademais, se afasta-se a tributação em relação ao crédito presumido, que ocasiona registro positivo na contabilidade, com muito mais razão se aplica o mesmo racional aos benefícios em que o contribuinte sequer contabiliza um crédito para redução do tributo devido, como nos casos de isenção, imunidade etc.
Porém, esse argumento foi destorcido nos recursos apresentados pela Fazenda, aos quais a 2ª Turma vem negando provimento. Tomemos por exemplo o REsp 1.968.755 e o REsp 2.012.522, cujas decisões se fundamentam em premissa fática absolutamente incorreta, levantada pela União, e equivocadamente adotada pelos ministros em suas decisões: de que os contribuintes pretendem excluir os valores dos benefícios da base do IRPJ e da CSLL quando já deixaram de inclui-los em suas bases.
Segundo a União os contribuintes visariam aproveitar duas vezes o incentivo ao (i) deixar de incluir o valor do ICMS a pagar em sua contabilidade e, ainda (ii) requerer a exclusão do valor correspondente ao benefício, na apuração do IRPJ e da CSLL, o que ocasionaria duplo aproveitamento da benesse. Entretanto, tal alegação é absolutamente falaciosa e levou a erro tanto os julgadores do TRF (especialmente, do TRF4) como os ministros do STJ.
Da leitura cuidadosa dos autos constata-se que não há pedido para deixar de tributar e, concomitantemente, excluir os valores da apuração do IRPJ e da CSLL. Os contribuintes vão ao Judiciário por fundado receio, diante das reiteradas manifestações da Receita Federal, de que ao deixar de oferecer os benefícios à tributação, o fisco os autuará, ainda que sejam isenções ou reduções de base, por falta de cumprimento dos requisitos da Lei Complementar 160/17. Não há, nesses casos, pedido de duplo aproveitamento do benefício tributário sub judice.
Os ministros não respeitaram a jurisprudência da Casa, ao contrário, rechaçaram o precedente e aplicaram os requisitos da Lei Complementar que a Seção já havia negado aplicação. A rigor, as decisões da 2ª Turma permitem a incidência dos tributos, sobre os benefícios, se não cumpridos requisitos da lei, em ofensa ao pacto federativo e admitindo incidência sem materialidade.
A questão se agrava pois nos casos que serão julgados neste mês, o MPF encampa a tese da Fazenda e manifesta-se no sentido de que por não configurarem ingresso de receita nova não há o que se excluir. Ora, é esse o racional do contribuinte: não se deve tributar tais valores (seja pela não inclusão, seja pela exclusão se incluídos). A linha de raciocínio é a mesma. Ignorou-se, contudo, o fato de que para o fisco tais conclusões só se aplicam quando observados os requisitos da Lei Complementar 160/17.
A falácia está firmada. Julgadores não se atentam para os detalhes da situação fática dos contribuintes e tomam por verdadeiras as alegações do fisco – que de modo conveniente despreza suas reiteradas manifestações, que condicionam a não incidência ao cumprimento dos requisitos da Lei Complementar, ao arrepio da jurisprudência do próprio STJ.
Notícias recentes mencionam a rapidez com que os recursos que tratam do tema foram afetados e serão julgados pela 1ª Seção do STJ, possivelmente visando colaborar com os ajustes fiscais que o governo federal pretende realizar, leia-se, fazendo mais caixa. A questão é: diante da máquina, quem estará pelos contribuintes, pela segurança jurídica e pela coerência?