Na Edição 1.086 do Informativo Jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF), o plenário entendeu que o exercício da atividade regulatória da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), no que concerne à sua competência normativa para definir infrações e impor sanções e medidas administrativas ao setor regulado, não pode transbordar os limites que lhe foram delegados na Lei 10.233/2001[1].
Ressalta-se que um dos limites ao exercício do poder normativo da agência repousa exatamente na necessidade de que a matéria a ser objeto de ato normativo secundário a ser editado pela ANTT já tenha sido prevista na lei instituidora (Lei 10.233/2001), ainda que genericamente, sob pena de aplicação de sanções não definidas em lei. Em outras palavras, a competência normativa em questão não pode criar ou inovar na ordem jurídica sem respaldo da lei que cria a agência reguladora em questão, sendo ela o parâmetro de obediência da normatização pela ANTT.
Diante desse contexto, oportunamente já se teve espaço para a defesa do entendimento segundo o qual o poder normativo das Agências Reguladoras advém da própria natureza da regulação voltada do e para o próprio setor regulador[2]. Aqui, não custa dessa vez tentar trazer a mesma reflexão, até mais clara, uma vez que se reconhece, em sede constitucional, a existência de mais um limite (talvez o único?) das agências reguladoras: a sua própria lei.
Se existe a concordância em entender que a ANTT, enquanto agência reguladora, retira do setor regulador o limite das matérias em que a sua competência normativa possa existir, antes estivesse o entendimento fixado pelo plenário do Supremo quando, do exercício da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.906/DF, como premissa maior dos artigos até aqui defendidos. Ou seja, o que o STF entendeu é o substrato necessário para que se encontre, por sua vez, o segundo limite ao poder normativo das agências reguladoras até aqui oportunamente defendido.
Então, faz-se relembrar. O deslocamento da função normativa para o interior da ANTT permite responsabilizá-la pelos atos normativos secundários que vierem a ser editados. Bem assim, é exatamente a sua lei instituidora que permite a delegação normativa no contexto do segundo limite aqui defendido, uma vez que, se a Lei 10.233/2001 delimita a matéria que fora delegado à ANTT, esse mesmo conteúdo ainda vai sofrer restrições e preferências quando da manifestação do setor regulado no processo de participação social dentro da agência reguladora em questão.
Daí por que se fala que a regulação normativa é voltada do e para o próprio setor regulado. Diante do contexto apresentado, o Supremo acertou em trazer os limites do ato normativo secundário para os parâmetros fixados na Lei 10.233/2001, mas, e quando tal instrumento normativo não for o suficiente? Ou, ainda que possa ter previsto genericamente o conceito, a norma editada pela agência reguladora em questão esteja em uma zona cinzenta de indeterminação quanto a possibilidade de ter ido além do que supostamente previsto?
Talvez, o Supremo tenha que se debruçar nessas questões mais tarde. No entanto, sugere-se que o segundo limite até aqui exaustivamente defendido possa ser uma saída para as futuras ações que porventura vierem a existir.
Diante desse contexto, olhar para o setor regulado e todo o processo prévio de elaboração dos atos normativos das agências reguladoras demonstra que os agentes regulados constituem peça-chave para que se entenda se determinado conteúdo vai além das competências regulatórias legalmente instituídas. Ainda, essa ideia nos parece mais forte sobretudo com o contexto do Marco das Agências Reguladoras Federais (Lei 13.848/2019), em que o processo decisório em seu interior se tornou matéria disposta no Capítulo I do referido diploma legal.
Claramente, parece-nos que os parâmetros fixados na Lei 10.233/2001 não são os únicos que deverão ser observados. O caso da ANTT foi apenas um exemplo que pode ser aplicado a todas as demais agências reguladoras. Agora, por sua vez, vejamos quais serão os limites que cada setor regulado poderá entender como conforme, ou não, daquilo que fora expressamente delegado.
[1] Disponível para acesso em: https://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=informativoSTF&pagina=Edicoes_Anteriores
[2] BRAND, Julia. A democracia regulada existe? Como a regulação influencia em novos conceitos sobre democracia. JOTA, 2022. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-democracia-regulada-existe-31122022; BRAND, Julia. ALMEIDA, Maíra. Rol da ANS: É possível falar em quarto poder? Novas Críticas sobre o modelo de Agências Reguladoras no Brasil. JOTA, 2023. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/rol-da-ans-e-possivel-falar-em-quarto-poder-22032023