1,6 milhão de vozes indígenas

Quase todos os países da América Latina e do Caribe nos anos 2000 dedicavam energia para conhecer a dinâmica de suas populações indígenas. Saber quantos são, suas culturas, línguas e a dinâmica de seus territórios é o movimento básico de qualquer Estado que tenha a intenção de reconhecer todo seu povo e não só a parte. Pouco depois da retomada da democracia brasileira, o Brasil segue os passos de seus vizinhos e incorpora a categoria “indígena” no Censo de 1991.  

Com base na autodeterminação, milhares de pessoas indígenas mostraram ao mundo que nosso país tem a maior diversidade sociocultural da região. A Cepal reconhece que 1/3 das nações indígenas do Conosur vive em solo brasileiro. Além dos mais de trezentos povos que têm contato com sociedades não indígenas, a Amazônia brasileira abriga a maior quantidade de registros de povos que vivem em isolamento no mundo, e que seguem resistentes às pressões exteriores.  

Além de diversa, essa população cresce exponencialmente. Os resultados preliminares do último Censo indicam um aumento expressivo da população indígena que saltou de 800 mil, em 2010, para 1,6 milhão em 2022. Isso não se explica somente com o aumento natural das famílias indígenas. A garantia de direitos fundamentais foi chave para que mais pessoas se identificassem como indígenas sujeitos de direitos.  

Os alicerces da fundação do Brasil tentam sobrepor ricas memórias indígenas cujas ondas de massacre tentaram apagar. Por séculos a violência direta e sistêmica atacou os povos originários, inclusive dizimando alguns. Mas esses obstáculos não foram capazes de silenciá-los. A resistência do coletivo move gerações que recontam as narrativas deste país.  

Talvez não por coincidência, mas já antecedendo um processo de reparação histórica, três dias separam o marco do início da colonização brasileira (22 de abril) do dia dos povos indígenas (19 de abril). Essa esquizofrenia simboliza a divisão do país. De um lado, uma parcela da sociedade tem seu imaginário povoado por indígenas do passado, cujos livros não alcançam (re)presentar; de outro, a soberania indígena tem impulsionado a visibilização das plurinações e identidades indígenas que tingem o Brasil de urucum e jenipapo. 

Ressignificar datas tão importantes para a formação de uma identidade nacional ganha um peso maior em 2023. A resiliência indígena se reflete nos tratados internacionais, na Constituição Federal cujo artigo 231 versa especificamente sobre os direitos indígenas fundamentais, e em Brasília. Entre as dezenas de letras estampadas na esplanada dos ministérios, uma chama atenção neste novo ciclo: Ministério dos Povos Indígenas, ou simplesmente MPI. Este novo órgão vinculado à nova Fundação Nacional de Povos Indígenas (Funai) transmutam o locos de 1,6 milhão de indígenas que nunca foram ouvidos, mas sempre tiveram voz para escrever, não o passado, mas o presente que foi conquistado, para que o futuro seja diferente.  

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